Quem acompanha o Cachorro Verde sabe que o que recomendo para cães e gatos é Alimentação Natural (AN) com inclusão de carnes, vísceras variadas, ovos, peixes e até ossos. Minhas três peludas são adeptas de AN na modalidade crua com ossos desde 2008. A mais velha delas completará 17 anos no final de 2020. Mas cada vez mais frequentemente leitores e até alguns clientes vêm me perguntando: “Sylvia, seria possível eu alimentar meu cão como vegano ou pelo menos vegetariano? “A resposta mais curta é “sim”, possível seria. Porque é possível atender os requerimentos nutricionais conhecidos de cães e gatos com ingredientes e suplementos não-derivados de animais. Entidades como AAFCO, NRC e FEDIAF publicam diretrizes que informam os requerimentos mínimos conhecidos de vitaminas, minerais, ácidos graxos (gorduras), aminoácidos, proteína e calorias de cães e gatos adultos e filhotes. Seguindo essas cartilhas, a indústria de pet food têm disponibilizado no mercado rações veganas e vegetarianas para cães e para gatos.
Note que acima mencionei “rações” e não “Alimentação Natural” ou “dieta caseira”. De fato, existem rações veganas para cães e gatos que afirmam ser adequadamente suplementadas e equilibradas. Mas, quando o assunto é a dieta vegana preparada em casa, é difícil garantir o fornecimento adequado de todos os aminoácidos com o que temos à disposição nos supermercados, feiras e prateleiras dos pet shops. Para gatos, uma dieta vegana caseira balanceada é impossível de atingir, como mostrarei mais à frente neste artigo. Uma alternativa mais tranquila de balancear e mais segura à dieta vegana para cães seria a dieta caseira ovo-lacto-vegetariana balanceada, como também veremos depois. A questão, como detalharei no decorrer desse artigo, é que para cães e gatos não considero essas dietas saudáveis.
A essa altura você pode estar pensando “ah, mas eu conheço uma pessoa/uma celebridade vegana no Instagram que há tempos alimenta seu cachorro com uma dieta caseira vegana e nos posts ela sempre conta que ele estar ó-ti-mo!”. Acontece que os cães, principalmente os de porte pequeno, são capazes de suportar um longo período de inadequações nutricionais antes de ficarem doentes por deficiências ou excessos crônicos.
Procuro manter uma cabeça aberta, sou uma veterinária curiosa e realmente gostaria de conseguir atender esse nicho de clientes preocupados com a crise climática e com o tratamento ético de todos os animais. Mas nunca quis fazer isso levianamente, sem pensar PRIMEIRO na saúde do meu paciente. Em 2015 comprei um livro sobre veganismo para cães e comecei a montar dietas veganas cuidadosas e suplementadas utilizando programas de formulação para me certificar de que não faltaria nenhum nutriente importante. Pela primeira vez acatei o pedido de tutores veganos e elaborei dietas caseiras veganas a 10 pacientes caninos adultos de raças diferentes.
Para ampliar o leque de aminoácidos, as dietas continham combinação de grãos, cereais e leguminosas, e também algas, levedo de cerveja, spirulina, além de verduras e em alguns casos até cogumelos. Além, claro, de óleos para fornecimento de ácidos graxos e suplementação vitamínico-mineral. Enfatizei que os grãos, cereais e leguminosas devem ser deixados de molho em uma cuba com água morna e um pouco de limão ou vinagre espremido por um período variável entre 12-48h (a depender do tipo de grão) e só depois devem ser cozidos, para reduzir o teor de antinutrientes e potencial de gerar gases. Também recomendei a trituração de todos os ingredientes da dieta depois de cozidos para facilitar a digestão dos grãos, alimentos complexos para o trato digestório simples dos cães.
Logo de cara notávamos nos cães que recebiam essa dieta formação de gases e defecações muito mais frequentes e volumosas (pelo alto teor de fibras da dieta). Uma cadela chegou a ter uma colite hemorrágica. Depois de algumas semanas percebíamos que justamente pelo aproveitamento da dieta vegana (que chamamos de “biodisponibilidade”) ser mais baixo do que em uma dieta com carnes, os cães precisavam ingerir um volume muito maior de alimento para manter o peso.
Vou contar um caso. Bia, uma Golden Retriever, passou cerca de 6 meses em uma dieta caseira vegana formulada por mim. Se comesse Alimentação Natural (AN) com carnes como as que indico em meu site, Bia precisaria comer cerca de 1kg de AN por dia. Mas na dieta vegana gradativamente passou a requerer mais de 2kg para manter o peso! Começou a ficar muito caro e trabalhoso garantir essa quantidade de alimento preparado só para ela, diariamente.
Apesar de comer tanto, ela parecia estar sempre morta de fome. Na nossa consulta ela revirou o lixo da minha sala e comeu papel; uns meses antes invadiu o churrasco nos vizinhos e devorou toda a gordura que encontrou. Bia tinha somente 6 anos quando identifiquei um tumor de 4cm em sua gengiva, que na biópsia provou ser maligno. Os últimos exames de saúde dela que pedi indicavam um pouco de anemia, imunidade baixa (linfopenia), um pH urinário excessivamente alcalino (9.0), cortisol elevado (indicativo de estresse) e dosagem mais baixa que a desejável de proteína total. Não é possível saber se a dieta pode ter influenciado esse processo. Ao constatar o câncer, a tutora por conta própria partiu para uma dieta com carnes e ovos. Sugeri como alternativa uma ração normal (com carnes) que é isenta de conservantes sintéticos e transgênicos, caso ela preferisse não manipular carnes frescas.
Vamos comparar uma dieta caseira vegana bem caprichada com uma dieta básica com carnes proposta pelo meu site do Cachorro Verde? Assim fica mais fácil evidenciar os meus pontos de preocupação em relação ao veganismo aplicado aos cães.
Análise de macro e micronutrientes de uma dieta vegana caseira
Utilizando um software de formulação de dietas para pets, montei uma receita de dieta caseira vegana para cães adultos bem caprichada. Em 900g (1.000kcal) temos spirulina, arroz branco (não usei o integral para não contribuir mais fibras a uma dieta já fibrosa), lentilha, quinoa, brócolis, cenoura, couve-manteiga, sal, óleo de linhaça (fonte de ômega-3 ALA e ômega-6) e um suplemento vitamínico-mineral completo (Nutroplus ou Food Dog).
A receita apresentou um teor de 66% de carboidratos, apenas 19% de proteína, apenas 15% de gorduras e 2,9% de fibras. A quantidade em gramas de proteína que a dieta fornece é de 46,7g, bem pertinho do mínimo de proteína indicado para cães adultos pela entidade AAFCO em 1.000kcal de dieta, que seria de 45,09g. A adição de óleo de linhaça garante o suficiente de gordura e o fornecimento dos ácidos graxos.
A pitada de sal fornece cloreto e sódio. O suplemento vitamínico-mineral (Food Dog ou Nutroplus) garante adequadamente todos os minerais e quase todas as vitaminas, com exceção da colina, que precisa ser suplementada à parte. A colina é generosamente encontrada na gema de ovo e é importante para o sistema nervoso central. Na dieta vegana a saída seria comprar um suplemento comercial de colina ou pedir ao veterinário uma fórmula para mandar aviar em farmácia de manipulação.
Com a adição de 6g de spirulina, a combinação de uma leguminosa (lentilha) com dois cereais (arroz e quinoa) nesse exemplo de receita vegana caprichada conseguimos o fornecimento de praticamente todos os aminoácidos considerados essenciais à saúde dos cães. Discuto a importância de alguns deles abaixo:
- L-arginina. Envolvida na excreção de amônia, relaxamento dos vasos sanguíneos e liberação de diversos hormônios, sua deficiência pode causar salivação excessiva, tremores musculares, catarata, vômitos e até morte.
- Fenilalanina. Essencial para a produção de hormônios tireoidianos e síntese de um outro aminoácido, a tirosina, é fundamental para a pigmentação da íris e da pelagem. É ainda um precursor da dopamina, noradrenalina e adrenalina, importantes para o funcionamento do cérebro e reprodução. Sua deficiência em cães pode causar perda de peso, falta de apetite e o “avermelhamento” de pelagens negras.
- Isoleucina, Valina e Leucina. Formam o conjunto de “aminoácidos de cadeia ramificada”. Participam da síntese de proteínas e previnem a perda de massa muscular. Sua deficiência pode resultar em perda de peso, prostração, pelagem áspera e andar descoordenado.
- Lisina. É utilizada para síntese de outras proteínas. Sua deficiência está ligada a diminuição do apetite e perda de peso.
- Metionina. Importante para a síntese de queratina e de um outro aminoácido, a cisteína. Ajuda a manter levemente ácido (como deve ser) o pH urinário dos cães, o que previne a formação de cristais urinários de fosfato. Sua deficiência pode resultar em queda excessiva de pelos, retardo do crescimento da pelagem e pelagem opaca e ressecada.
- Treonina. Atua na geração de energia para o organismo. Sua deficiência pode resultar em perda de peso e falta de apetite.
- Triptofano. É um precursor da vitamina do complexo B Niacina, da serotonina e da melatonina. Sua deficiência pode gerar agitação, insônia, perda de apetite e perda de peso.
- Eu acrescentaria aqui dois outros aminoácidos que não são considerados ainda essenciais, mas que são absolutamente fundamentais em dietas veganas e vegetarianas: a L-carnitina e a L-taurina. Encontradas exclusivamente em carnes e vísceras, sua deficiência conduz à cegueira e a uma doença cardíaca absolutamente devastadora, a Cardiomiopatia Dilatada.
O único aminoácido essencial que ficou faltando na receita foi a metionina, que é importante para manter o pH urinário levemente ácido (6.0 a 6.5) e evitar formação de cristais e cálculos de oxalato de cálcio, dentre outras funções informadas acima. A metionina precisaria, então, ser suplementada à parte.
O veterinário que está orientando a dieta vegana do seu cão poderá montar uma fórmula para mandar manipular em cápsulas ou sachês com os aminoácidos que ele avaliar que estão faltando à receita, incluindo também L-carnitina e L-taurina, para adicionar às refeições na hora de servir.
O problema? Essa fórmula só atenderá a uma receita fixa. Ao substituir qualquer ingrediente da composição outros aminoácidos podem vir a faltar, requerendo uma fórmula manipulada de aminoácidos diferente. Por isso é arriscado oferecer uma dieta caseira vegana que não seja uma receita fixa formulada por um profissional que utiliza programa que analisa o teor de aminoácidos. Sem essa conduta não há como levantar que nutrientes podem estar ausentes ou insuficientes e depois montar a fórmula de aminoácidos para cobrir essas lacunas.
Até mesmo fabricantes de rações erram na formulação de rações veganas para pets. Um artigo científico norte-americano de 2015 verificou que somente metade das rações vegetarianas e veganas para pets analisadas supriam o teor mínimo de aminoácidos requerido. Em 2020 pesquisadores brasileiros avaliaram a composição de quatro rações veganas para cães e gatos comercializadas no nosso país. E adivinha? Todas tinham deficiência de pelo menos um nutriente e algumas apresentaram excesso de zinco e cobre.
Aproveito para colocar outros receios que tenho com dietas veganas para cães, mesmo quando são corretamente formuladas e são suplementadas.
Glúten, transgênicos e resíduos de agrotóxicos
Cereais fonte de glúten devem ser evitados pelo grande potencial pró-inflamatório e disruptor intestinal dessa proteína. Trigo, centeio, cevada e triticale contêm glúten. A aveia naturalmente não tem; ela acaba se contaminando ao ser processada em máquinas que lidam com outros cereais. Mas é fácil encontrar aveia sem glúten à venda. Milho, soja e trigo são grãos considerados alergênicos para cães e gatos, exacerbando quadros de otite, fungo na pele, dermatites e coceiras. Além disso soja e milho são transgênicos em 99% dos casos e contaminados com resíduos do herbicida Glifosato, que pode aumentar o risco de linfoma e prejudica o microbioma intestinal. O consumo de soja também pode interferir com a função endócrina, em especial, com a tireoide.
O perigo silencioso das toxinas fúngicas
Micotoxinas representam outro risco importante que costuma ser muito maior em dietas baseadas em grãos. São toxinas notoriamente cancerígenas, tóxicas ao fígado e imunossupressoras que bolores produzem em grãos estocados. Quanto maior e mais frequente é o consumo de leguminosas, arroz, milho, soja, amendoim etc, maior é a ingestão de micotoxinas. E infelizmente nossos métodos de cocção caseiros não são capazes de eliminá-las.
Excesso de carboidratos = maior risco de câncer e inflamação
A dieta vegana citada acima contém cerca de 66% de carboidratos e apenas 19% de proteína. Uma dieta caseira baseada majoritariamente em grãos, cereais e leguminosas, mesmo com adição de cogumelos, spirulina etc, dificilmente atinge por si só – sem suplementação – níveis altos de proteína. Ela acaba sendo uma dieta riquíssima em carboidratos, com teor baixo de gorduras (vegetais são magros e não temos vísceras, carnes e ovos) e teor de proteína muito próximo do mínimo recomendado para cães adultos.
Uma dieta nesses moldes (alto carboidrato, proteína relativamente baixa) pode levar à elevação crônica da glicemia, insulina e consequente agravo de quadros inflamatórios. Também pode resultar em uma menor massa muscular. Em humanos hoje sabe-se que uma dieta high-carb aumenta significativamente o risco de câncer. Os cães têm uma incidência dessa doença muito maior do que a nossa. Estima-se que a cada 2 cães, 1 morrerá de câncer hoje em dia.
Em 2018, um time de pesquisadores finlandeses verificou que os níveis de marcadores inflamatórios no sangue de cães alimentados com uma dieta rica em carboidratos era superior aos níveis encontrados em caes alimentados com uma dieta baseada em gordura e carne animal.
Análise de macro e micronutrientes de uma dieta caseira com carnes
Agora vejamos um exemplo de uma dieta caseira cozida com carnes, seguindo o modelo que proponho no site Cachorro Verde. Utilizando o mesmo programa de formulação de dietas para pets, montei uma receita de dieta caseira com carnes para cães adultos. Em 830g (1.000kcal) temos músculo bovino, fígado bovino, mandioquinha, batata-doce, cenoura, vagem, rúcula, óleo de girassol prensado a frio (fonte de ômega-6), óleo de peixe (fonte de ômega-3), sal e um suplemento vitamínico-mineral completo (Nutroplus ou Food Dog).
Essa receita apresenta 36% de carboidratos, 38% de proteína, 26% de gorduras e 1,3% de fibras. Todos os ácidos graxos, minerais, vitaminas e aminoácidos estão presentes. Não há necessidade de suplementar nada à parte. A distribuição de calorias entre proteína, carboidrato e gorduras é mais equilibrada e o teor de fibras é adequado, porém não é elevado demais. Nenhum macronutriente (gordura, proteína ou carboidrato) está em excesso.
Tá, mas como seria com uma dieta caseira vegetariana para cães?
Mais tranquila. Vejamos um exemplo. Mais uma vez recorrendo ao programa montei uma dieta vegetariana para cães que fornece 1.000kcal em 817g. Os ingredientes: ovos de galinha cozidos (gema e clara), queijo cottage com apenas 1% de gordura, arroz integral cozido, aveia em flocos cozida, abobrinha, agrião, vagem, o suplemento vitamínico-mineral completo (Nutroplus ou Food Dog) e óleo de linhaça.
Essa receita apresenta 43% de carboidratos, 25% de proteína de altíssima biodisponibilidade, 32% de gorduras e 2,1% de fibras. Um perfil de macronutrientes definitivamente mais equilibrado que o da receita vegana, com um teor de fibras mais “normal” e um índice glicêmico mais baixo. O perfil de gorduras está adequado e todos os minerais, todas as vitaminas (os ovos fornecem a colina) e todos os aminoácidos estão presentes em teor suficiente.
A questão é que nem todos os cães vão tolerar bem uma dieta baseada em ovos e/ou lácteos. Alguns poderão apresentar alterações digestivas, como fezes amolecidas, gases e/ou vômitos numa dieta assim a longo prazo. Mas um profissional experiente em elaboração de dietas em programa poderá ajustar, excluindo ou os ovos ou os lácteos e verificar se assim o cão lida melhor com a dieta.
E para os gatos?
É completamente impossível elaborar em casa uma dieta caseira vegana balanceada para gatos. Estamos falando de um animal que é a réplica em miniatura de um felino selvagem: estritamente carnívoro, com significativas limitações metabólicas para o aproveitamento de nutrientes vegetais.
Dois exemplos. Vegetais não fornecem a vitamina A em sua forma ativa (retinol) e sim em forma em precursor (beta-caroteno). Devido à falta de uma enzima chamada dioxigenase, os felinos não são convertem converter o beta-caroteno em vitamina A ativa (retinol). O fígado seria a fonte natural de retinol na dieta dos gatos. Mais um nutriente essencial a garantir à parte na dieta.
Os gatos também não convertem o aminoácido triptofano dos vegetais em niacina, a vitamina B3. Também precisam receber a niacina pronta.
Não há como garantir com fontes vegetais o elevado requerimento de proteína de boa biodisponibilidade que os bichanos requerem em todas as fases de suas vidas. Sem falar na questão da palatabilidade. Para despertar o interesse dos gatos, os fabricantes de rações veganas e vegetarianas adicionam flavorizantes que remetem ao cheiro da putrefação de carnes (sim!).
Uma dieta ovo-lacto-vegetariana caseira corretamente balanceada para gatos adultos poderia fornecer o suficiente de aminoácidos e proteína. Mas mesmo quando acrescida do suplemento vitamínico-mineral “Food Cat” ou “Nutroplus – Gatos”, requer suplementação extra de niacina e zinco, além de L-carnitina (já a taurina é garantida pelo suplemento “Nutroplus – Gatos” ou “Food Cat”) .
Esbarramos em outro ponto: os ácidos graxos. Gatos simplesmente não aproveitam ômegas-3 ALA (alfa-linolênico) encontrados no óleo de linhaça ou de chia. Para eles o ômega-3 precisa ser o “pronto” (EPA e DHA), oriundo de fontes animais (óleo de peixe, óleo de krill) ou óleo de algas. Felinos também precisam receber diariamente um ômega-6 encontrado de forma abundante em gordura de frango e suíno chamado ácido araquidônico, que precisaria ser aviado em farmácia de manipulação.
Por fim, imagine seu gato diante de um prato contendo uma mistureba de queijo cottage, ovos, arroz, lentilha/quinoa, vegetais, o suplemento vitamínico-mineral, uma cápsula extra de carnitina, zinco e niacina, outra cápsula de ácido araquidônico, mais o óleo de algas e um pouco de hortaliças (opcional), tudo misturado junto. Será que ele toparia comer isso todos os dias?
Considerações finais
O que eu quis transmitir com esse texto da forma mais respeitosa e mais científica possível é: sim, teoricamente dietas veganas são possíveis para cães. Mas é difícil produzir em casa uma dieta segura, corretamente suplementada e que seja bem tolerada por eles. Sem sombra de dúvida são uma boa notícia para o nosso planeta. Mas acredito que não sejam a opção mais saudável de alimentação para cães, animais que no mínimo são onívoros. E muito menos para gatos, que são carnívoros obrigatórios. (Tenho um artigo sobre fisiologia digestiva básica de cães e gatos que complementa essa discussão.)
Rações veganas contêm um teor muito elevado de carboidratos e potencialmente de micotoxinas, uma maior proporção de grãos alergênicos e transgênicos (milho, soja, trigo), antinutrientes (porque as leguminosas não são deixadas previamente de molho antes da cocção) e podem não estar suplementadas com L-carnitina e L-taurina (informe-se com o fabricante). Todavia, em relação à dieta caseira vegana, a ração vegana pode oferecer uma maior segurança quanto à suplementação fundamental de aminoácidos, vitaminas, minerais e ácidos graxos – embora haja estudos mostrando que mesmo rações veganas falham na suplementação, como apontei anteriormente.
Se você ainda assim optar por oferecer uma dieta vegana para seu cão ou gato, atente para minhas recomendações:
- Se sua escolha for pela ração, solicite ao fabricante um laudo de análise dos nutrientes presentes nela (incluindo informações sobre teor de macronutrientes, aminoácidos, ácidos graxos, vitaminas e minerais). Mostre ao veterinário ou zootecnista com experiência em nutrição clínica para verificar se o alimento está de fato corretamente equilibrado e suplementado.
- Pelo menos inicialmente a cada 6 meses solicite exames ao veterinário clínico-geral para verificar como seu animal está se adaptando à dieta. Não confie somente no que seu peludo aparenta. Pode levar bastante tempo até carências se tornarem evidentes. Recomendo hemograma, dosagem de vitamina B12, ferro, ecodopplercardiograma, proteína total e frações, urinálise (para verificar o pH da urina, que pode se elevar em dietas sem carnes), ultrassonografia abdominal, glicemia e insulina, além de outros testes que o vet achar pertinentes. Atente para sinais de que algo não vai bem: fezes amolecidas, com muco e/ou sangue, recusa em se alimentar, fraqueza ou queda no nível de energia habitual, pelagem opaca e sem brilho, excesso de gases, queda de pelos excessiva etc.
- Se sua escolha foi pela dieta vegana caseira é inadmissível descuidar da suplementação. Procure um veterinário ou zootecnista com experiência em elaboração de dietas caseiras, solicite receitas fixas formuladas em um programa que analisa também o teor dos aminoácidos. Não se esqueça do suplemento vitamínico-mineral completo, da adição de óleos, de sal e de pedir ao “nutri” do pet uma fórmula que cubra as lacunas da receita (L-metionina, L-carnitina, colina etc).
- Deixe sempre os grãos, cereais e leguminosas de molho antes de cozinhar para eliminar parte dos antinutrientes, cozinhe-os adequadamente e depois triture os alimentos para tornar a digestão mais fácil. O profissional te passará todas as informações necessárias.
- Não recomendo oferecer dieta caseira vegana a fêmeas prenhes, lactantes e a filhotes em crescimento. O requerimento nutricional destas fases fisiológicas é muito elevado, tornando dietas restritivas muito arriscadas.
- Não ofereça dieta vegana a cães e gatos com problemas crônicos de saúde. Em alguns casos (diabetes, formação de cálculos urinários por oxalato de cálcio, câncer, disbiose intestinal, dentre outros) pode haver séria exacerbação do quadro em função do alto teor de fibras e carboidratos da dieta.
- Acima de tudo, respeite seu peludo. Ele não escolheu viver com você, mas está sob seus cuidados, dependendo totalmente de você. Inclusive para ter uma alimentação segura e adequada.
- Conte sempre com a orientação e o acompanhamento de um veterinário ou zootecnista que atua com consultoria nutricional. Se isso já é importante para quem adota Alimentação Natural com carnes, torna-se imprescindível para quem opta por uma dieta fora do convencional para seu peludo.
Como posso diminuir o impacto ambiental do meu pet sem torná-lo vegano?
São muitas maneiras. Seguem algumas sugestões:
- Recolha as fezes deles com tiras largas de jornal – e não com sacolinhas plásticas.
- Não utilize fraldinhas descartáveis, prefira plataformas coletoras e/ou meios laváveis e reutilizáveis.
- No caso dos gatos, prefira granulado sanitário ecológico.
- Considere a adoção de um cão ou gato ao invés de comprar.
- Ao planejar a chegada do novo membro da família, reflita sobre ter apenas um cão ou um gato por vez.
- Outros animais veganos e vegetarianos (herbívoros ou onívoros) “de fábrica” podem ser pets incríveis: calopsitas, roedores, coelhinhos e até porquinhos!
- Cães adultos saudáveis podem fazer um dia por semana de dieta livre de carnes (uma “segunda sem carne do pet”).
- Converse com o veterinário que cuida da dieta do seu pet sobre dietas caseiras com teor um pouco menor de carnes magras de animais criados de maneira mais ética (livres, sem gaiolas).
- Não use saquinhos plásticos para armazenar as porções de dieta caseira, prefira potes tampados laváveis que podem ser reutilizados indefinidamente.
- Se fizer sentido para você uma dieta caseira pescetariana balanceada é boa pedida e também pode ser adotada.
Paz e saúde para você e seu pet!
Referências:
- https://www.aafco.org
- https://www.nap.edu/catalog/10668/nutrient-requirements-of-dogs-and-cats
- http://www.fediaf.org
- https://www.nbcnews.com/health/health-news/fda-names-16-brands-dog-food-linked-canine-heart-disease-n1025466
- http://www.iams.com/pet-health/dog-life-stages/understanding-animal-based-proteins-in-dog-foods
- https://avmajournals.avma.org/doi/abs/10.2460/javma.247.4.385
- https://researchportal.helsinki.fi/en/publications/the-relationships-between-environment-diet-transcriptome-and-atop
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6968870
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31246262
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2698128
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Micotoxina
- https://en.wikipedia.org/wiki/Acrylamide
- https://www.waltham.com/dyn/_assets/_docs/waltham-booklets/essential-nutrition-for-cats-and-dogs/walthampocketbookofessentialnutritionforcatsanddogs.pdf
Comunicado do Cachorro Verde
As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.
Obrigada por acompanhar os canais do Cachorro Verde!