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Há 10 anos o artigo “Novas Diretrizes Vacinais para Cães” foi publicado na revista científica “Clínica Veterinária”. A pesquisa, redigida por mim e pelo querido Prof. César Dinóla, Doutor em Microbiologia Veterinária pela USP, se baseou em cerca de 70 publicações científicas de países tão diversos como Brasil, Itália, Israel, Nigéria e Estados Unidos.

O texto trazia atualizações sobre o programa vacinal dos cães. Naquela época, estudos (inclusive brasileiros), mostraram que a proteção que as vacinas importadas conferem contra doenças virais não “vence” após um ano, sendo duradoura. Também foi proposta a classificação das vacinas em “essencias” (que todo cão deve tomar) e “não-essenciais” (cuja indicação depende do contexto). Apareceu por aqui um recurso útil, o exame de “titulação de anticorpos vacinais”, que verifica os níveis de proteção e nos ajuda a avaliar a necessidade de reaplicar uma vacina.

Vacinar os cães é fundamental. Mas como todo imunógeno e medicamento, há risco de reações adversas. O caminho para termos uma prática mais segura e ética passa por assimilar as descobertas científicas dos últimos 20 anos (sim!), evitar aplicações desnecessárias e, sempre que possível, individualizar a conduta.

Esse é o resumão da nossa publicação, que propunha uma revisão de paradigmas. Mas ao contrário do que esperávamos, o artigo não teve repercussão. É 2022 e a maioria dos cães no Brasil segue tomando todos os anos todas as vacinas que o tutor puder pagar.

Dando seguimento à publicação anterior, que abordou vacinação para gatos, fiz o apanhado das recomendações propostas em 2020 pela Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA) para a imunização de cães nos países da América do Sul. Os especialistas estiveram no Brasil e observaram a falta de investimento para pesquisas, a prevalência da leishmaniose visceral canina, a população de cães nas ruas e o fato de que apenas cerca de 17% dos cães recebem vacina no nosso país.

Ou seja, precisamos vacinar um número maior de cães. E vacinar mais racionalmente os que já têm acesso a vacinas.
Confira abaixo as recomendações da entidade.

Doenças caninas vacináveis

Doenças virais de alta letalidade, sem tratamento específico:

  • Cinomose: acometimento multissistêmico, pode deixar seqüelas neurológicas e oftalmológicas.
  • Parvovirose: destrói as vilosidades intestinais e afeta a imunidade. Acomete filhotes.
  • Hepatite infecciosa canina: menos comum no Brasil (ou subnotificada?), causa necrose hepática.
  • Raiva: zoonose que evolui para coma e paralisia respiratória.
  • Leishmaniose visceral canina: de caráter zoonótico, é causada por protozoário e pode afetar órgãos, articulações, olhos e pele.
  • Leptospirose: causada por bactéria, afeta rins e fígado. Tem severidade variável e tratamento, mas há risco de seqüela renal.
  • Giardíase: causada por protozoário, provoca diarréia. Tem potencial zoonótico e tratamento.
  • Complexo Respiratório Infeccioso Canino: há vacina contra três agentes que causam a “tosse dos canis” – a bactéria Bordetella bronchiseptica e os vírus da parainfluenza e adenovírus tipo 2.
  • Coronavirose: diarréia viral branda em filhotinhos.
  • Dermatofitose: lesões de pele com potencial zoonótico causadas pelo fungo Microsporum canis.

Classificação das vacinas pela WSAVA

Essenciais são vacinas que todo cão deve receber algumas vezes na vida: Cinomose, Parvovirose, Hepatite Infecciosa Canina – e Raiva. As três primeiras estão nas vacinas V6, V8 e V10. O ideal seria termos uma vacina V3 – contra somente essas três doenças – e também vacinas isoladas (somente contra parvo, somente contra cinomose etc.)

Não-essenciais são vacinas indicadas de acordo com a região onde vive e estilo de vida do cão:
Leptospirose: presente na V6, V8 e V10, e em uma vacina contra lepto.
Complexo Respiratório Infeccioso Canino (CRIC): alguns componentes estão na V6, V8 e V10. Existe a vacina contra CRIC.
Leishmaniose Visceral Canina: disponível somente em versão monovalente (isolada).

Não-recomendadas são vacinas irrelevantes ou sem comprovação sólida de eficácia preventiva: coronavirose canina, Microsporum canis e giardíase. A corona está presente na V8 e V10, desnecessariamente. As outras duas têm vacinas isoladas.

Protocolo WSAVA para cães filhotes

Cão filhote: 1 dose de vacina contra cinomose, parvovirose e hepatite às 6-8 semanas de vida e então a cada 2-4 semanas até os 4 meses de vida. Um reforço pode ser aplicado um ano depois ou aos 12 meses de vida.

A vacina antirrábica pode ser aplicada a partir dos 3 meses e o reforço um ano depois ou aos 12 meses de vida.

A vacina contra gripe canina, se indicada, pode ser administrada a partir de 6 semanas de vida se for a forma intranasal. A forma injetável da vacina contra gripe e a vacina contra lepto podem ser aplicadas a partir dos 2 meses de vida. Para ambas as vacinas são necessárias duas doses, intervaladas a 2-4 semanas.

Se a vacina contra leishmaniose for indicada, o cão precisa ser testado, pois apenas soronegativos devem ser imunizados. São necessárias três doses, iniciadas a partir dos 4 meses de vida, intervaladas a 3 semanas.

Protocolo WSAVA para cães adultos

Cão adulto: 1 dose de vacinas essenciais no máximo a cada 3 anos. (A duração de proteção de vacinas importadas contra cinomose, parvovirose e hepatite infecciosa é de 5 a 9 anos – ou mais.)

A vacina antirrábica importada protege por 3 a 5 anos, mas nossa legislação, ainda desatualizada, exige o reforço anual. (As vacinas antirrábicas importadas que usamos são as mesmas que foram licenciadas para uso trienal nos Estados Unidos.)

As vacinas não-essenciais, quando indicadas, devem ser reaplicadas anualmente por terem duração de proteção mais curta.

Titulação de anticorpos vacinais

Há pelo menos 10 anos temos o exame sorológico que verifica níveis de anticorpos IgG contra cinomose, parvovirose e hepatite infecciosa canina. Todo resultado igual ou maior que “1” se correlaciona com proteção, pois indica que houve imunoconversão e o desenvolvimento de imunidade celular.

Outras aplicações interessantes do teste:

  • Verificar se um filhote de raça considerada mais suscetível a parvo e cinomose (Rottweiler, Labrador) ficou imunizado. Para isso, realize o exame 30 dias após a terceira dose de vacina.
  • Identificar cães que geneticamente não respondem a vacinas, não importando quantas doses recebam, e que devem ser mantidos fora de risco.

Não existe o teste de titulação contra doenças não-essenciais. Existe o exame de titulação contra raiva, mas no Brasil é geralmente restrito ao cão que visitará outro país.

Resgatei um cachorro adulto. E agora?

Basta uma única dose de vacina importada que proteja contra cinomose, hepatite infecciosa canina e parvovirose e uma dose de vacina antirrábica importada. E então, reforços e aplicação de vacinas não-essenciais conforme o quadro “Protocolo WSAVA” para cães adultos.

O que precisa mudar na maneira como vacinamos?

Precisamos de vacinas monovalentes (que protejam contra uma única doença) e de combinações menores (uma V3) para poder individualizar os programas vacinais. Nossas vacinas antirrábicas importadas precisam ser licenciadas para uso trienal. Vacinas irrelevantes devem ser retiradas do mercado, como acontece em todos os outros continentes. Precisamos de estudos epidemiológicos, conduzidos por associações independentes, que avaliem as necessidades dos cães e gatos brasileiros. Como podemos conseguir isso? Como os países que se atualizaram fizeram: pressionando a indústria farmacêutica e os órgãos legisladores.

Confira na íntegra e em português o boletim da WSAVA sobre imunização de cães e gatos para países da América Latina: https://wsava.org/wp-content/uploads/2020/08/Recommendations-on-vaccination-for-Latin-American-small-animal-practitioners-Portuguese.pdf

Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.

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