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A maioria dos tutores alimenta seus pets algumas vezes ao dia – e não há nada de errado nisso. Mas, e se eu te disser que não é somente a composição e a quantidade de dieta servida que fazem diferença na saúde dos cães e gatos, mas também a frequência com que a comida é servida?

Pois é! Estudos vêm mostrando os benefícios de não ficar alimentando cães e gatos a todo momento. E antes que você possa dizer “ah, mas servir comida menos vezes ao dia e cortar lanchinhos vai fazer meu peludo sofrer, coitado”, saiba que seu cão ou gato é capaz de rapidamente se adaptar a novos hábitos.

Esse assunto nada tem de novo. Desde a Antiguidade, em virtualmente todas as culturas, o ser humano pratica restrição de alimentos como ferramenta auxiliar de desintoxicação e cura e para atingir estados espirituais e mentais elevados. Pense em quantos rituais sagrados envolvem jejum.

Cães e gatos adultos também são metabolicamente equipados para lidar bem com um longo período sem alimento. Isso, porque na natureza a disponibilidade de alimento é intermitente, de maneira que os lobos, primos selvagens mais próximos dos nossos cães, intercalam o ato de devorar vorazmente uma carcaça com dias de jejum.

Quando optamos por não alimentar nosso cão ou gato várias vezes ao longo do dia, permitimos que o organismo dele descanse dos complexos processos digestivos e, por exemplo, recalibre o seu ritmo circadiano, aquele que regula os ciclos de sono e vigília por mecanismos hormonais. Com isso, o organismo funciona melhor, descansa mais profundamente à noite, quando ocorrem os processos de reparo, e fica mais ativo durante o dia.

Mas promover intencionalmente períodos de jejum vai além: ajuda a regular o metabolismo, reduzindo o risco de obesidade, aumenta a vigilância contra células tumorais e renova as células normais, preserva a musculatura, reduz o acúmulo de toxinas e rejuvenesce o cérebro.

Insulina x glucagon

Quando o corpo está em jejum, os níveis de glucagon se elevam no sangue e os de insulina descem. Níveis controlados de insulina, por si só, já são valiosos por ajudar a manter a inflamação em cheque.

Níveis altos de glucagon promovem autofagia, mecanismo de faxina e reparo celular. Segundo estudos, quem pratica autofagia regularmente preserva massa magra, queima gordura mais eficientemente, tem menos envelhecimento precoce e menor risco de diabetes, cardiopatia e Alzheimer.

AMPK e mTOR

O jejum influencia a atividade da enzima AMPK e da proteína mTOR. Jejuar estimula a atividade da APMK, encarregada da manutenção das células. Essa tarefa inclui localizar e destruir células alteradas, potencialmente cancerosas, e estimular a produção de potentes antioxidantes produzidos no corpo.

O jejum também inibe a ação da proteína mTOR, responsável pela multiplicação celular, inclusive de células potencialmente cancerosas.

Resultado: maior vigilância e capacidade de neutralizar células perigosas e menor taxa de multiplicação dessas.

Contraindicações

Tá, e como colocar o jejum em prática? É mais tranquilo do que você imagina, questão de adaptar com consistência seu peludo a um novo hábito. Mas antes, vamos às restrições. Não recomendo essa conduta a filhotes, gestantes ou lactantes, pets desnutridos e com histórico de hipoglicemia (cães de porte miniatura têm maior predisposição). Também não indico dar início à prática para cão/gato idoso, salvo se sempre comeu assim. Lembrando que o jejum é sempre de alimento; jamais de água.

Jejum diário

O hábito de servir algumas refeições ao dia aos nossos cães e gatos reflete a maneira como nos alimentamos no dia-a-dia. Mas não precisa ser assim. Antes dos cães passarem a conviver com a gente dentro de casa seus humanos em geral serviam comida uma ao dia. A maioria dos cães adultos e até dos gatos se adapta muito bem a comer uma vez ao dia. Experimente.

Ao instituir esse hábito, você proporcionará ao seu animal 23 horas de jejum de alimento. Ou seja, todos os dias ele terá os benefícios do jejum, sem pular comida nenhum dia. Se você tentou colocar isso em prática e seu cão passou a vomitar “espuma” e bile pela manhã, dê alimento pela manhã e uma porção de caldo caseiro de ossos à noite (receita: https://www.cachorroverde.com.br/caldo/). Servir caldo não reduz a eficiência do jejum e ajuda cães de trato digestivo sensível a se adaptar.

Ah, importante: esse tipo de jejum não é recomendado a cães alimentados com ração. Dar ração uma única vez ao dia predispõe à dilatação e torção gástrica, por ser um alimento que se expande no estômago.

Jejum semanal

Durante um único dia da semana não sirva as refeições do seu peludo. Se você não se sentir confortável restringindo completamente alimentos por 24h, sirva um osso recreativo cru para ele roer (confira nosso guia: https://www.cachorroverde.com.br/recreativos/) ou uma porção de caldo caseiro de ossos (https://www.cachorroverde.com.br/caldo/). A oferta desses alimentos não impede os benefícios do jejum. Nos outros dias da semana, sirva as refeições normalmente. Por anos, adotei essa prática com minha cachorrada.

Janela de 18 ou 16 horas

Nessa modalidade, você fraciona o total de alimento do cão em duas refeições e as serve dentro de uma janela de 6 ou 8 horas. Por exemplo, sirvo a primeira refeição da Polly às 10h e a última seis horas depois, às 16h. Outro exemplo: uma refeição ao meio-dia e outra às 18h. O cão ou gato recebe alimento todos os dias, duas vezes ao dia, e esse tipo de jejum permite ao organismo um descanso de 18 a 16 horas dos processos digestivos.

Gatos

É mito que felinos adultos precisam ter alimento à vontade o dia todo. Esse tipo de recomendação incentiva o consumo excessivo e só beneficia quem lucra com a venda desses alimentos. O resultado taí: uma epidemia crônica de gatos obesos e inflamados. Um estudo canadense publicado em 2020 mostrou que gatos alimentados uma vez ao dia se mostraram mais saciados e ainda apresentaram níveis mais altos de aminoácidos no sangue, o que pode se correlacionar com proteção contra perda muscular.

Dê uma chance ao “Dr. Jejum”

Essa conversa fez sentido para você? Experimente por 30 dias implementar essa estratégia simples e sensata, com amplo potencial de fazer muito bem ao seu peludo no médio e longo prazo. Como descrito no excelente livro “O Cão Eterno”, lançado no Brasil em 2023 pela editora Sextante, escrito pela médica-veterinária Karen Becker e pelo artista digital Rodney Habib, “a combinação de uma alimentação com os nutrientes corretos, na quantidade adequada e na hora certa é o tripé mágico dos ganhos biológicos”.

Referências

  1. The daytime feeding frequency affects appetite-regulating hormones, amino acids, physical activity, and respiratory quotient, but not energy expenditure, in adult cats fed regimens for 21 days, Camara et al, 2020. https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0238522
  2. mTOR is a Key Protein Involved in the Metabolic Effects of Simple Sugars, Sangüesa et al, 2019. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6429387/
  3. Sirtuins as regulators of metabolism and healthspan, Houtkooper et al, 2012. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4872805/
  4. Resveratrol and caloric restriction prevent hepatic steatosis by regulating SIRT1-autophagy pathway and alleviating endoplasmic reticulum stress in high-fat diet-fed rats, Ding et al, 2017. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5560739/
  5. Autophagy and aging: Maintaining the proteome through exercise and caloric restriction. Escobar et al, 2019. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6351830/
  6. Fasting, circadian rhythms, and time restricted feeding in healthy lifespan. Longo e Panda, 2016. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5388543/
  7. Effects of Intermittent Fasting on Health, Aging, and Disease; De Cabo e Mattson, 2019. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra1905136

 

Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.

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