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Quem tem a sorte de conviver com gatos – e aqui no Cachorro Verde são três! – sabe como eles são fascinantes. Além de nos encantarem com sua maneira peculiar de interagir com a gente e com o ambiente, gatos têm uma história evolutiva e particularidades biológicas muito interessantes. Para celebrar a felinidade é importante conhecê-las – e esse post trata disso.

Pesquisadores acreditam que o relacionamento do humano com o gato teve início há cerca de 10.000 anos na região do Crescente Fértil (atuais estados da Palestina, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano e Chipre, bem como partes da Síria, Iraque, Egito, sudeste da Turquia e sudoeste do Irã). Nessa época, que corresponde ao Período Neolítico, gatos selvagens africanos (Felis sylvestris lybica) caçavam roedores nos assentamentos humanos e acabaram sendo domesticados por fazendeiros. Forjou-se uma relação de mútuo benefício. Menos roedores significava para os humanos menor perda de alimentos, em especial de grãos, e menos doenças. E para os “proto-gatos” não faltava comida e proteção.

Corta para os dias atuais. Aproximadamente sessenta raças felinas são reconhecidas por entidades e o fenótipo (aparência física) dos gatos é incrivelmente variado. Temos gatos gigantes, gatos de patas curtas, peludíssimos, carecas, de orelhas dobradas, de focinho achatado e uma diversidade de texturas e colorações de pelagem. O que esses cerca de 10 mil anos de domesticação não alteraram foi a fisiologia, o metabolismo e os requerimentos nutricionais desses felinos.

Por dentro, o gatinho ronronento que amassa pãozinho no seu colo e adora brincar com caixa de papelão continua idêntico ao gato selvagem africano. Seu bichano é um carnívoro obrigatório, que evoluiu para obter todos os nutrientes de que precisa dos tecidos de outros animais.

Carnívoro obrigatório

Gatos de vida livre se alimentam como o Felis silvestris lybica durante o período Neolítico: caçando roedores e passarinhos. Uma dieta baseada em pequenas presas é rica em umidade (água) e proteína, possui teor moderado de gordura e baixíssimos níveis de carboidrato.

Felino de deserto

Os ancestrais do nosso gato viviam em regiões desérticas. Se adaptaram obtendo a maior parte da água de que precisam diretamente do alimento. Passarinhos e camundongos têm 60% a 75% de água, respectivamente; enquanto a ração seca apresenta apenas cerca de 12% de umidade.

Gatos não são tão responsivos à sensação de sede como o cão. Muitos gatos que comem ração seca não aumentam o consumo voluntário de água, o que leva a um estado crônico de leve desidratação prejudicial à sua saúde urinária e renal.

Trato digestório

O gato adulto tem 30 dentes altamente especializados. Os diminutos incisivos imobilizam a presa enquanto os caninos desferem o golpe fatal. Pré-molares rasgam os tecidos e os molares esmigalham ossos. Gatos não mastigam, apenas abrem e fecham a boca, sem deslocar a mandíbula lateralmente.

A saliva deles não tem a enzima amilase, que dá início à digestão de carboidratos. O estômago acomoda bastante alimento e tem um pH super ácido (1.0 a 2.0.), para neutralizar bactérias e digerir ossos. Já o intestino é curto e simples, com capacidade limitada de fermentação.

Dieta lowcarb

Gatos evoluíram para consumir dietas com baixíssimo teor de carboidrato (basicamente fibras de gramíneas e o carboidrato estocado como glicogênio no fígado e músculos das presas). Suas enzimas hepáticas são especializadas em utilizar proteína e gordura como fonte de energia. O consumo excessivo de carboidrato (acima de 15% a 20%) faz o gato criar depósitos de gordura (obesidade) e o coloca em risco de desenvolver pancreatite, doença inflamatória intestinal crônica e diabetes.

Cálculo do carbo

É importante conhecer o teor de carboidrato da dieta comercial que você oferece ao seu gato. Infelizmente, os fabricantes de alimentos não são obrigados a informar esse dado, então é preciso fazer um cálculo simples para descobri-lo. Consulte o rótulo e some o teor de proteína, gordura, umidade e minerais (se os minerais não estiverem indicados, considere 6%). Agora calcule “100” menos o número que você encontrou. O resultado é a porcentagem de carboidrato da dieta do seu gato.

A importância da proteína

O filhote de gato requer 1.5x mais proteína que o filhote de cão. Já o gato adulto requer 2 a 3x mais proteína que o cão adulto. Gatos não utilizam proteína apenas para desenvolvimento e manutenção dos tecidos no corpo, mas como fonte de energia.

Se restringimos proteína da dieta de outros animais, o corpo se ajusta para conservar aminoácidos. O organismo do gato não faz isso e continua utilizando proteína (até a da própria musculatura) se falta proteína na dieta. Por isso a gente se preocupa com desnutrição protéica quando gatos param de comer e por isso não restringimos tanto a proteína da dieta de gatos nefropatas.

Taurina

O aminoácido taurina, presente somente em tecidos animais, é fundamental para a saúde cardiovascular e oftalmológica dos gatos. Além de serem incapazes de produzir taurina a partir dos aminoácidos metionina e cisteína, gatos perdem constantemente taurina nas fezes porque a usam para conjugar ácidos biliares.

Carnes, vísceras e peixes crus são fonte de taurina – cozinhar destrói 60% desse aminoácido. Servir a carne triturada aumenta ainda mais a perda de taurina. E não deixe de servir o caldinho (mioglobina) do descongelamento da carne. É cheio de taurina.

Outros requerimentos

Gatos não possuem enzimas que convertem o beta-caroteno dos vegetais na forma ativa da vitamina A. Também não sintetizam vitamina D a partir da exposição cutânea ao sol. Fígado e gema de ovo são boas fontes dessas vitaminas.

Apresentam requerimentos mais elevados para o aminoácido arginina e para as vitaminas do complexo B, em especial niacina, tiamina e piridoxina. Finalmente, precisam ingerir ácido araquidônico (ômega-6 presente em tecidos animais) e ômegas-3 EPA e DHA, encontrado em certos peixes. Simplesmente não aproveitam os ômegas-3 ALA, da chia e da linhaça.

Conclusão

Como disse Leonardo da Vinci séculos atrás: “o menor dos felinos é uma obra-prima.” Seu gato é um carnívoro por excelência e sua essência de predador, a meu ver, é o que o torna uma criatura tão hipnotizante. Uma maneira de respeitá-los e honrá-los é alimentando-os de acordo com suas singularidades fisiológicas, comportamentais e metabólicas. Nossa turma – Juju, Lenù e Frajola – é fã de dietas cruas sem ossos. Como é aí na sua casa?

Referências:

  1. The carnivore connection to nutrition in cats https://avmajournals.avma.org/view/journals/javma/221/11/javma.2002.221.1559.xml
  2. How did cats become domesticated? https://www.loc.gov/everyday-mysteries/zoology/item/how-did-cats-become-domesticated/
  3. Consistent proportional macronutrient intake selected by adult domestic cats (Felis catus) despite variations in macronutrient and moisture content of foods offered https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3629282/
  4. Domestication of the cat https://en.wikipedia.org/wiki/Domestication_of_the_cat

 

Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

 

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.

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