Você sabia que 1g de gordura fornece 9 calorias, mais que o dobro do valor energético de 1g de proteína ou carboidrato? E que a gordura é essencial para a absorção das vitaminas lipossolúveis – A, D, E e K – no intestino? Além disso, ela é indispensável para a produção de certos hormônios, para a saúde neurológica e cognitiva, e compõe a membrana celular de todas as células do organismo. Sem falar que a proporção entre ômegas 6 e 3 na dieta impacta diretamente a resposta inflamatória do corpo.
Não é por acaso que ômega-3 é prescrito por veterinários para uma ampla gama de condições: dores articulares, doenças autoimunes, “Alzheimer canino”, triglicérides elevados, doença renal crônica, dermatites…
Pois é. Não é só com carne magra, miúdos e vegetais que se cria uma boa Alimentação Natural (AN) para cães e gatos. Gorduras e óleos são igualmente importantes, independentemente da idade do pet. No entanto, sua inclusão ainda é pouco compreendida e, muitas vezes, negligenciada.
Infelizmente, as gorduras carregam o estigma da lipofobia que foi ao auge nos anos 1980 e 1990, quando uma intensa campanha movida por interesses da indústria alimentícia incentivou a substituição de gorduras saturadas por produtos “light” e ultraprocessados ricos em carboidratos e gorduras hidrogenadas. O medo das gorduras acabou respingando até na dieta dos caes e gatos, mesmo sendo incompatível com sua biologia carnívora. Afinal, felinos selvagens e lobos obtêm entre 35% e 50% (ou mais) de suas calorias de gorduras animais e, consequentemente, são metabolicamente muito hábeis em digerir e aproveitar lipídeos.
Ainda assim, é comum ouvir tutores orgulhosamente contando que oferecem dietas aos seus peludos sem nada de gordura ou óleo, sem saber que lipídeos e ácidos graxos são nutrientes literalmente essenciais à saúde geral desses animais.
Mas quais gorduras e óleos devemos ou podemos adicionar à dieta? Banha? Avocado/abacate? Cortes gordos de carne? Ovos? Azeite? Sementes e oleaginosas? É preferível fornecer ômegas-3 de origem vegetal ou animal? Quanto e com frequência devo administrar óleos e gorduras? Confira abaixo.
Quem são os lipídeos
Por “lipídeos” me refiro a:
- gorduras, que são lipídeos sólidos em temperatura ambiente, como banha, manteiga e sebo
- óleos, lipídeos líquidos em temperatura ambiente, como os óleos vegetais e óleo de peixes
- alimentos ricos em lipídeos que podem ser incluídos para melhorar o perfil de gorduras da dieta, como sementes (chia, linhaça, sementes de hemp, sementes de girassol), castanhas (como nozes e amêndoas) e peixes como a sardinha
- ácidos graxos presentes em gorduras e óleos e que são nutrientes, como os ômegas-3 EPA e DHA
Ácidos graxos de importância
Ácidos graxos essenciais são aqueles que não podem ser produzidos pelo próprio organismo do animal; precisam ser ingeridos pela alimentação. Entidades como NRC, FEDIAF e AAFCO, que publicam recomendações de requerimentos nutricionais para cães e gatos, reconhecem como sendo essenciais dois grupos de ácidos graxos poliinsaturados: os famosos ômegas-6 e ômegas-3.
Ômegas-6 essenciais
- Ácido linoleico (AL): essencial para cães e gatos, sua deficiência pode levar a problemas como pele seca, pelagem opaca, infecções cutâneas recorrentes, imunidade baixa, perda de peso e atraso no crescimento. Está presente em carnes e gordura de aves e porco, óleo e semente de girassol e semente de abóbora.
- Ácido araquidônico (AA): essencial para os gatos, mas não para os cães, que são capazes de sintetizá-lo a partir do ácido linoleico, é encontrado em carnes, vísceras e ovos.
Ômegas-3 essenciais
- Ácido alfa-linolênico (ALA): considerado essencial para cães e gatos, é importante para a integridade das membranas celulares e reduz dano oxidativo às células. Adicionalmente, os cães conseguem converter cerca de 8% do ALA no ômega-3 EPA, que é a forma ativa e muito mais eficiente do ômega-3. Já o gato é incapaz de realizar essa conversão; ele precisa receber o ômega-3 EPA pronto. O ALA está presente em pequenina quantidade em carnes e vísceras e em maior teor no óleo e sementes de linhaça e chia.
- Ácido Eicosapenaenoico (EPA) e ácido Docosaexanoico (DHA): estes compõem a forma ativa, altamente eficiente, do ômega-3. As entidades o consideram essencial somente para filhotes, gestantes e lactantes, mas existe sólida base científica de seus amplos benefícios em qualquer faixa etária.
O EPA tem propriedades antiinflamatórias, reduz coceiras, alergias, controla níveis de triglicerídeos no sangue e é benéfico à saúde cardiovascular. Já o DHA é importante para o desenvolvimento dos fetos, do sistema nervoso e da visão dos filhotes e reduz o declínio cognitivo em idosos.
Como suplementar os ômegas-6
Levando em conta as dietas do Cachorro Verde e os requerimentos publicados na tabela NRC de 2006.
Gatos As dietas que proponho nos guias do meu site e curso para gatos saudáveis de todas as idades fornecem teores adequados de ácido linoleico (AL) e araquidônico (AA) graças à presença de carnes e vísceras. Não é necessário adicionar.
Cães
Filhotes de cães têm maior requerimento de ácido linoleico. Independentemente do tipo de carne oferecida (frango, porco, aves) adicione óleo de girassol prensado a frio ou sementes de girassol ou sementes de abóbora trituradas na hora como 1% do total da dieta. Logo, se meu filhote recebe 400g de AN por dia vou adicionar 4ml de óleo de girassol e 4g de sementes de abóbora ou de girassol.
Se a dieta do cão adulto contiver carne de porco, ou algum corte de frango com mais gordura, como coração e carne de coxa ou sobrecoxa sem pele, não é necessário adicionar fonte de ácido linoleico. Adicione as sementes de girassol ou de abóbora ou óleo de girassol como 1% da dieta se a dieta contiver somente peito de frango ou somente carne de ruminantes (boi, cordeiro, cabrito etc).
Como suplementar os ômegas-3
Levando em conta as dietas do Cachorro Verde e os requerimentos publicados na tabela NRC de 2006.
As dietas do Cachorro Verde fornecem o suficiente de ácido alfa-linolênico (ALA) para cães e gatos de todas as idades; não é necessário adicionar.
Para fornecer ômegas-3 EPA e DHA, independentemente da composição da dieta, adicione peixes ricos nesse nutriente (sardinha, manjuba, arenque, anchova, salmão selvagem) como 5 a 10% do total da dieta, 3x por semana, ou até diariamente. Ou administre óleo de peixe ou de krill em cápsulas. Verifique no rótulo do suplemento quanto 1 cápsula fornece de EPA e DHA somados. Suplemente entre 50 e 75mg de EPA e DHA somados para cada kg de peso do cão, e entre 30 e 50mg de EPA e DHA somados para cada kg de peso do gato.
Outros lipídeos
Vimos fontes de lipídeos que fornecem ácidos graxos considerados essenciais. Mas há outros que, embora não forneçam nutrientes fundamentais, podem ser bem-vindos na dieta como adicionais:
- Azeite extra-virgem: adiciona calorias e polifenóis (antioxidantes).
- Óleo de côco: fonte de triglicerídeos de cadeia média benéficos ao sistema nervoso central, também fornece ácido láurico, que estimula as defesas naturais, e ácido caprílico, com ação fungicida.
- Banha de porco caipira: fonte de calorias, vitamina D e ácido linoléico (AL).
- Manteiga: fonte de calorias, palatabilizante, fonte de ácido butírico (benéfico ao intestino), um pouquinho de selênio, vitamina D, ômegas 3 e 6 e ácido linoleico conjugado (CLA), que tem propriedades antioxidantes.
- Óleo de linhaça dourada e óleo de chia: fornecem moderadas doses de ácido linoleico (AL) e ácido araquidônico (AA) e altas doses de ácido alfa-linolênico (ALA).
Óleos ou alimentos?
Sempre que possível prefira a inclusão de alimentos à forma refinada dos nutrientes, os óleos. Quando incluímos peixes ricos em ômega-3 estamos fornecendo proteína, zinco, ômegas-6, selênio, vitaminas do complexo B, ferro e antioxidantes que atuam sinergicamente, potencializando o efeito do ômega-3, além do ômega-3 do peixe estar melhor protegido da oxidação. Da mesma forma, quando incluímos sementes ao invés dos óleos temos os benefícios de minerais e das fibras.
Relação ômegas 6 e 3
Ambos os ômegas são cruciais para o organismo. Os da série 6 são tipicamente mais pró-inflamatórios e pró-trombóticos, propriedades que defendem o corpo de infecções, lesões etc. Os da série 3 operam na mão inversa, contendo a inflamação e prevenindo trombos. Recomenda-se que a dieta tenha uma proporção máxima de ômegas 6 e 3 de 10:1, sendo melhor entre 6:1 a 2:1. A inclusão de peixes ricos em ômega-3 como meros 5% do total da dieta garante a proporção ideal.
Cuidados com os lipídeos
Tenha cuidado principalmente com os ômegas-3 EPA e DHA. Sendo altamente insaturados, eles são incrivelmente suscetíveis à oxidação. Vai suplementar com cápsulas? Compre frascos escuros e bem vedados, mantenha refrigerado e enterre a cápsula intacta na comida. Se precisar misturar o óleo no alimento, faça-o na hora de servir e sirva imediatamente. Gordura rancificada perde os ácidos graxos e adquire compostos que formam radicais livres e podem intoxicar.
Referências:
- Boletim FEDIAF 2024: https://europeanpetfood.org/wp-content/uploads/2024/09/FEDIAF-Nutritional-Guidelines_2024.pdf
- NRC 2006 (National Research Council; Nutrient Requirement of Dogs and Cats): https://nap.nationalacademies.org/read/10668/chapter/1#viii
- Unlocking the Canine Ancestral Diet, Steve Brown, 2009: https://www.amazon.com/Unlocking-Canine-Ancestral-Diet-Healthier-ebook/dp/B08D4QGKDD
- Applied Veterinary Clinical Nutrition, Fascetti et al, 2023: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/8210334/mod_resource/content/1/Applied Veterinary Clinical Nutrition – 2023 – Fascetti(1).pdf
- site “Perfectly Rawsome – Fats & Fatty Acids”: https://perfectlyrawsome.com/raw-feeding-knowledgebase/nrc-essential-nutrients-fatty-acids/
Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945
Comunicado Cachorro Verde
As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.
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