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Costumo brincar com os clientes que quando o assunto é Alimentação Natural, os cães não têm fome, eles são com fome. É claro que nem todo peludo age assim com dieta caseira. Mas a maioria nunca deixa passar um petisco que goste, por mais bem alimentado que o cão esteja.

Seu cão se comporta como um um lobo: não sabe se conseguirá caçar de novo amanhã, então está sempre disposto a comer.

Aqui em casa mesmo é assim. Nossas três cachorras se comportam como se estivessem esfomeadas vinte e quatro horas por dia. Ficam nos seguindo sempre que vamos até a cozinha, mesmo quando vamos buscar um copo d’água. Ficam por perto quando estamos comendo, lançando olhares curiosos. Jamais deixam no prato um fiapinho e lambem as vasilhas vazias de comida no meio da tarde, fazendo um barulhão. Não nos deixam atrasar um minuto o horário de servir as refeições (o que é terrível nas manhãs de domingo e feriados rs).

Mesmo com toda essa “manipulação” rolando, a gente não cede. Pelo bem delas. Elas sacam a mensagem e não insistem com latidos, patadinhas nem nada do tipo. Não há outra maneira de mantê-las bem, enxutas e saudáveis.

Fato é que é na maioria das vezes é normal esse comportamento, desde que o cão aparente estar saudável, feliz, brincalhão e esteja mantendo o bom peso. São os genes de lobo deles, incessantemente buscando alimentos por acreditar que amanhã pode não haver almoço ou jantar. Principalmente entre raças notoriamente gulosas, como Spitz Alemão, Retriever do Labrador, Golden Retriever, Cocker Spaniel Inglês e Beagle, que segundo evidências científicas podem regular mal o mecanismo de saciedade.

Entretanto, existem condições de saúde específicas que podem acarretar aumento de apetite e que merecem nossa atenção. A médica-veterinária integrativa norte-americana Dra. Karen Becker publicou recentemente um artigo informando sobre doenças que podem estar por trás de um apetite de leão. Chama-se “Você tem um cão excessivamente faminto? Primeiro faça isso.” e pode ser lido no idioma de origem, em inglês, clicando aqui.

Tomamos a liberdade de traduzir o excelente artigo por achar que interessaria a tutores que, como eu, têm peludos “sem fundo”. Às ótimas informações que ela posta no artigo eu apenas acrescentaria como outras causas de apetite permanentemente aflorado a administração de medicações e/ou suplementos que aumentam o apetite, como corticoides, Gardenal e complexo B. Aqui vai o artigo, aproveitem!

Você tem um cão excessivamente faminto? Primeiro faça isso.

Por Dra. Karen Shaw Becker
(Tradução: Vanessa Fermino, sócia-fundadora do site Cachorro Verde)

Em poucas palavras:

  • Existem inúmeras causas para a fome constante nos cães, dentre elas a própria biologia canina, memórias de escassez de comida, dietas biologicamente inapropriadas à fisiologia canina, doenças latentes e comportamento aprendido.
  • A primeira providência a tomar em relação a um cão super faminto deve ser levá-lo ao veterinário, já que uma série de doenças podem causar um excesso de apetite, incluindo diabetes e doença de Cushing.
  • Rações industrializadas contêm grãos, amido e fibras adicionadas que podem criar um estado de desnutrição em nível celular, levando o cão sentir sempre muita fome.
  • Cães que aprendem que implorar por comida, roubar alimentos da mesa ou fuçar o lixo dão resultado vão continuar repetindo esses comportamentos até que esses métodos deixem de funcionar.

Quase todo cão é “bom de garfo”, o que pode ser uma forma legal de dizer que eles comem qualquer coisa que encontram. A Dra. Jules Benson, Vice-presidente da companhia de seguros para pets Petplan, explica esse fenômeno dessa forma:

“Analisando o parente mais próximo do cão doméstico, o lobo cinzento, essa espécie é adaptada a uma dieta de ‘banquete-ou-escassez’ e conseguem ficar muitos dias sem consumir presa fresca. Eles conseguem isso comendo grandes quantidades de uma vez ao encontrar alimento disponível, ao estocar comida (que pode se comparar ao ato de enterrar ossos no jardim) e ao fuçar o ambiente (muito cuidado com a lixeira da cozinha!)”

Em outras palavras, é natural para os nossos companheiros caninos comer sempre que há comida disponível, e não necessariamente porque estão com fome naquele momento, mas porque seus cérebros caninos nunca compreendem que seus tutores vão continuar servindo suas refeições religiosamente todos os dias, por toda a vida deles. Infelizmente, também é possível que alguns cães resgatados de situações de privação guardem memórias da experiência de passar fome e irão pra sempre enxergar alimentos como uma oportunidade rara e preciosa.

Tendo dito isso, geralmente é difícil diferenciar se um cão obcecado por comida está somente seguindo seu instinto natural de comer a toda oportunidade, se está sendo guiado pelo seu medo de passar fome novamente, se está recebendo uma dieta que não o está nutrindo corretamente em nível celular (mais sobre isso adiante) ou se simplesmente conseguiu aperfeiçoar a arte de manipular seus humanos para ganhar comida e petiscos.

Uma outra possibilidade, menos provável mas potencialmente séria, é a de uma condição de saúde que faça com que seu cão se sinta extremamente faminto, não importa o quanto ele coma. É por isso que recomendo passar em consulta com o veterinário se seu cão parece estar com mais fome do que o normal mesmo estando bem alimentado, especialmente se ele também estiver perdendo peso.

O excesso de apetite pode fazer o peludo fuçar o lixo e até comer cocô.

Quatro doenças sérias que podem causar apetite excessivo em cães:

Doença de Cushing
O nome médico para a Doença de Cushing é hiperadrenocorticismo. Hiperadrenocorticismo, livremente traduzido, significa “cortisol demais sendo liberado pelas glândulas adrenais”. Cortisol é o hormônio de “luta-ou-fuga”. Em um cão saudável o cortisol é liberado pelas glândulas adrenais intermitentemente, em pequenas quantidades, em resposta a alguma situação de estresse percebida pelo organismo e pela possibilidade de precisar brigar ou fugir pra sobreviver.

Contudo, se por alguma razão o organismo do seu cão desregula a sua demanda por cortisol, a glândula adrenal começa a superproduzir o hormônio, o que pode levar a um estado de toxicidade. Quando o cortisol é secretado pela adrenal, isso estimula a liberação de glicose pelo fígado.

Seu cão precisa de cortisol em pequenas quantidades, mas, se ele vive em uma situação de estresse crônico, as adrenais dele vão secretar um excesso de cortisol. Estresse crônico leva a uma persistente secreção de cortisol. Apetite exacerbado é um dos sintomas da Doença de Cushing e é o resultado do corpo precisar queimar toda essa glicose extra.

Diabetes
Infelizmente, diabetes tipo-2 é muito comum hoje em dia entre cães se aproximando da meia-idade e da fase sênior. Diabetes desenvolvida em cães adultos é resultado de um estilo de vida que leva à redução da produção de insulina ou à dificuldade do corpo utilizá-la eficientemente (o que chamamos de resistência insulínica).

A obesidade é, de longe, a maior razão pela qual os pets se tornam diabéticos. Seu cão não possui requerimento biológico de grãos ou da maioria dos carboidratos (amidos), mas mesmo assim, fontes de carboidratos podem compor até 80% dos ingredientes das rações. Carboidratos se transformam em açúcares no organismo do seu pet, e açúcar em excesso leva ao diabetes.

Infelizmente, o amido é necessário para o processo de fabricação das rações secas, então, até mesmo as rações “grain-free” (livres de grãos) contêm uma abundância de açúcar em forma de tapioca, batata, ervilha, e outros legumes que afetam o pâncreas do seu pet.

Outra razão ligada ao estilo de vida pela qual os pets desenvolvem diabetes, e que caminha de mãos dadas com a má nutrição, é a falta de atividade física.


Hipertireoidismo
Hipertireoidismo é uma doença tipicamente observada em gatos idosos. É uma condição incomum em cães e na maioria dos casos a causa é um tumor agressivo na tireóide que estimula uma superprodução de hormônio da tireóide. A única outra causa reconhecida, que ocorre muito raramente, é a ingestão de hormônio da tireóide de outras fontes, como o tecido ativo de tireóide contido em pescoços crus (por esse motivo não é interessante oferecer pescoço aos pets mais do que alguns dias por semana).

A temperatura corporal do seu cão, a frequência cardíaca, a utilização dos alimentos e outras funções dependem dos níveis apropriados de hormônios da tireóide no sangue. Hipertireoidismo significa que as glândulas estão trabalhando em excesso, secretando hormônio demais, o que causa um constante estado de hiperatividade metabólica.

Pets que sofrem dessa condição geralmente perdem peso, estão sempre com fome, bebem muita água e urinam muito, apresentam frequência cardíaca aumentada e vomitam com frequência. Quando não tratado, o hipertireoidismo pode levar a falência renal e cardíaca.

Insuficiência Pancreática Exócrina (IPE)
O pâncreas tem muitas funções. Ele produz não somente insulina, mas também diversas enzimas que colaboram com a digestão dos alimentos. O pâncreas pode desempenhar um papel significativo em doenças digestivas, e é por isso que a IPE às vezes é conhecida como síndrome da má digestão.

Enzimas pancreáticas incluem a amilase, que faz a quebra do amido, a lipase, que quebra gorduras, e a tripsina e quimotripsina, que quebram proteínas. A ação dessa enzimas é crucial para o processo digestivo. Elas permitem que nutrientes da dieta sejam absorvidos pelas células do intestino, por onde passam para a corrente sanguínea e são transportados para o corpo para ser utilizadas pelos tecidos.

Quando o seu cão come, o pâncreas recebe um sinal para secretar enzimas digestivas que viajam para o intestino delgado pelo ducto pancreático. Assim que elas atingem o centro do intestino, elas começam a trabalhar, quebrando as partículas dos alimentos. Na Insuficiência Pancreática Exócrina ocorre uma redução ou ausência de enzimas digestivas produzidas pela pâncreas.

Proteínas, amidos e gorduras da dieta não são quebrados o suficiente para serem absorvidas pelas paredes do intestino. Isso quer dizer que os nutrientes não conseguem entrar na corrente sanguínea para suprir a nutrição dos tecidos dos órgãos do corpo. Muita da comida que é ingerida permanece não-digerida no trato digestório e acaba indo embora pelas fezes.

Sinais de que seu cão pode estar sofrendo de IPE incluem perda de peso, fome constante, fezes moles com odor desagradável, gases excessivos e grande quantidade de gordura não-digerida saindo no cocô (que fica amarelado) e pelagem com aspecto fraco. Sem o tratamento adequado, um cão com IPE corre risco de vida, não importando quanto alimento ele consuma.

A dieta do seu cão é a causa por trás da fome constante dele?

A maioria dos fabricantes de ração processada para pets entope seus produtos com grãos biologicamente inapropriados, amidos e especialmente fibras, porque sabem que muitas pessoas acreditam que fibras são saudáveis, não importando o tipo de fibra ou quem as estará consumindo. Mas a verdade é que alimentos de origem vegetal são muito mais baratos do que os ingredientes de origem animal.

Fibras são ingredientes especialmente populares em rações para perda de peso e rações com baixa gordura, e foram estudadas como um potencial tratamento contra comportamentos desagradáveis de cães que pedem, imploram ou exigem alimentos chorando, latindo ou uivando, que roubam comida da casa ou fuçam lixo.

O argumento a favor de fibras extras nas rações é que elas promovem a sensação de saciedade nos cães, entretanto, o requerimento nutricional de fibras e carboidratos do seu cão é pequeno, então, quando fibras são usadas no lugar de proteínas na dieta, seu cão pode acabar buscando obsessivamente mais aminoácidos.

Além disso, fibras em excesso podem bloquear a absorção de nutrientes essenciais no intestino delgado. Elas podem criar uma barreira que evita que antioxidantes, vitaminas e minerais-traço sejam absorvidos pelo trato digestório.

Enquanto as fibras podem fazer o seu cão se sentir temporariamente cheio, se elas estão removendo proteínas da dieta, ele vai continuar malnutrido em nível celular. Uma deficiência crônica de nutrientes sofrida pelas células do corpo pode resultar na sensação constante de fome. Isso é um sinal de que o seu carnívoro não está recebendo o suficiente para sustentar adequadamente sua biologia.

Se você oferece ao seu cão uma dieta fresca, balanceada e adequada à sua fisiologia carnívora, é muito difícil que o comportamento constante de buscar alimento seja resultado de desnutrição, a menos que ele sofra de alguma condição que esteja interferindo na habilidade do corpo dele de digerir adequadamente os nutrientes da dieta.

Como ajudar um cão obcecado por comida

Se seu cão passou na avaliação completa do veterinário sem apresentar nenhum problema de saúde e está recebendo uma dieta correta para a espécie dele, há uma boa chance da busca incessante por comida ser um comportamento aprendido, o que significa que você tem reforçado isso com tanta frequência que se tornou um hábito. Seguem algumas dicas e truques para lidar com cães eternamente famintos:

  • Ignore os apelos. Você precisa parar de responder aos pedidos ou ele nunca vai parar de pedir. Além disso, você corre o risco de deixá-lo acima do peso e eventualmente até doente dando tanto alimento e petiscos.
  • Use a obsessão dele por comida para treiná-lo. Pelo menos uma vez ao dia faça pequenos treinos com seu cão. Ele provavelmente vai aprender novos comandos e truques bem rápido assim que ele perceber que isso envolve ganhar petiscos. Mas certifique-se de usar porções bem pequenas de petiscos saudáveis, por exemplo, ervilhas congeladas, pedacinhos pequenos de frutas ou minúsculos cubinhos de queijo.
  • Seja um substituto de comida para ele. Em outras palavras, distraia-o sempre que possível. Faça alguma brincadeira, escove a pelagem dele, leve-o para passear, para uma volta de carro ou uma volta no parque.

O mais importante: você precisa amar o seu cão mais do que o seu cão ama comida e não ceder ao comportamento dele de “mendingar” para não alimentá-lo em excesso. A maior prova de amor que você pode dar a ele é consistentemente redirecionar essa energia e focar em treinamento, exercício, brincadeiras ou qualquer outra atividade que não envolva comida. 😉

Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança. Obrigada por acompanhar os canais do Cachorro Verde!