fbpx

Microbioma e disbiose. Assuntos amplamente estudados que têm rendido descobertas interessantíssimas, inclusive para a saúde dos pets. Mas, o que significam?

“Microbioma” é o ecossistema de microorganismos – bactérias, vírus, protozoários e fungos – que habita as nossas mucosas de forma vantajosa para si e para o hospedeiro. Através da fermentação, por exemplo, bactérias do intestino produzem ácidos graxos de cadeia curta que nutrem o epitélio intestinal. Em troca, o epitélio produz um muco que beneficia as bactérias.

Mas a contribuição dessa floresta de micróbios vai além, barrando a invasão de microorganismos patogênicos, regulando o metabolismo, otimizando a digestão e absorção de nutrientes, produzindo vitaminas (K, essencial para a coagulação, e B12, fundamental para a produção de hemácias e o sistema nervoso) e educando o sistema imune.

Cientistas identificaram diferenças na composição do microbioma de cães saudáveis e de cães com doenças crônicas, como a atopia. Essas diferenças determinam como o sistema imune reage diante de estímulos triviais. Em outras palavras, o microbioma treina o hospedeiro para saber diferenciar uma ameaça real – bactérias e vírus patogênicos – de estímulos inofensivos ou pouco perigosos, como o contato com grama e ácaros.

O sistema imune do pet com microbioma comprometido é muito mais suscetível a reagir desproporcionalmente – inflamando a pele, desencadeando coceira – a estímulos banais. A principal característica do ecossistema microbiano sadio é uma proporção muito maior de microorganismos benéficos do que de patogênicos.

Estímulos disruptores, como exposição a antibióticos, pesticidas, infecções, toxinas, dieta desequilibrada e estresse, empobrecem o microbioma e invertem a proporção entre microorganismos do bem e do mal. Esse desequilíbrio compromete as contribuições funcionais, metabólicas e imunológicas do microbioma para o hospedeiro. Taí a “disbiose”.

Felizmente, estudos indicam maneiras de proteger e enriquecer o microbioma dos pets. E até como moldá-lo, no comecinho da vida, visando máxima proteção contra alergias e quadros gastrintestinais crônicos futuros.

Vitamina “S”

”S” é de sujeira. Um time de pesquisadores (Canine Healthy Soil Hypothesis) defende que o melhor probiótico para os cães não está em frascos, mas no solo vivo, onde vivem microorganismos ancestrais. Para esses cientistas, filhotes deveriam nascer em contato com o solo ou ter acesso à terra assim que possível para a adequada primocolonização do seu microbioma. Enquanto no probiótico comercial temos de 1 a 10 espécies de microorganismos, 1 grama de solo contém entre 2.000 a 50.000 espécies diferentes e até 10 bilhões de microorganismos.

Contato com o solo

A exposição precoce a microorganismos altera significativamente a formação do microbioma, influenciando a resposta da imunidade inata e adaptativa a desafios por toda a vida do animal.

Um estudo comparou cães de áreas rurais e urbanas quanto à composição do microbioma e histórico de doenças de pele. Bingo! O microbioma cutâneo dos cães que viviam no interior era mais diverso em número de espécies – e a ocorrência de alergias, menor.

Parto natural

Pesquisadores compararam filhotes nascidos pela via vaginal com filhotes nascidos por cesariana em situação praticamente estéril. Adivinha? Os filhotes nascidos de cesárea apresentavam menos e menores estruturas relacionadas à imunidade no intestino, como placas de Peyer, linfonodos mesentéricos, além de níveis mais baixos de linfócitos T e B, macrófagos e neutrófilos.

Dieta

Um estudo finlandês analisou dados de mais de 4 mil cães e verificou que a dieta oferecida ao cão filhote influencia o risco de ele desenvolver alergia quando adulto.

Filhotes que recebiam carnes e vísceras cruas como pelo menos 1/5 da dieta e fonte de ômega-3 regularmente apresentaram menor risco de se tornarem alérgicos em comparação aos filhotes que receberam ração, dieta enlatada e carnes desidratadas por calor. Teoriza-se que a carga microbiana naturalmente presente nas carnes e vísceras cruas ajude a compôr o microbioma.

Bucho natural

No Brasil encontramos facilmente o bucho (usado na ”dobradinha”), que é o estômago de ruminantes raspado e branqueado com peróxido de hidrogênio. Mais difícil é achá-lo em versão natural, inadulterado por processamentos e infinitamente mais valioso por conter bactérias, enzimas e restinhos de vegetais em processo de fermentação. Os filhotes do estudo que citei consumiam o bucho natural regularmente, conhecido como “green tripe” (tripa verde).

Se tiver acesso ao bucho natural cru (visite frigoríficos e criações de ruminantes), não-tratado por químicos, inclua-o como 5% a 15% do total da dieta do pet, na parte de carnes, 3-5x por semana. Congele-o por 7 dias em freezer antes de servir, como cuidado profilático, e sirva cru. O cheiro é forte para o nosso nariz, mas deixa os cães alucinados.

O bucho tem uma proporção de cálcio e fósforo de 1:1 e é boa fonte de proteína, ferro, zinco, selênio e manganês. Concentra cerca de 30 mil UFC de lactobacilos por grama.

Probiótico ou paraprobiótico?

Alguns afirmam que essas bactérias, adaptadas ao ambiente anaeróbio do rúmen, não resistem à exposição ao ar, sendo incapazes de colonizar o intestino dos pets. Mas mesmo os ”corpinhos” mortos das bactérias têm efeito probiótico. Ou melhor, paraprobiótico.

Paraprobióticos são microorganismos inviáveis (incapazes de colonizar o intestino) e que ainda assim têm propriedades imunomoduladoras.

Vegetais fermentados

Não encontra o bucho natural? Prepare em casa vegetais fermentados e inclua-os na dieta do pet e na sua também. Uma pequena porção concentra até 10 trilhões de boas bactérias, além de vitaminas do complexo B, C, K2, colina e acetilcolina (benéficos ao cérebro). Aprenda a preparar em casa e veja que dosagem oferecer e como introduzir: https://www.cachorroverde.com.br/fermentados/ 

Referências:

  1. Perspectives and advances in probiotics and the gut microbiome in companion animals, 2022. DOI: 10.5187/jast.2022.e8
  2. Puppyhood diet as a factor in the development of owner-reported allergy/atopy skin signs in adult dogs in Finland, 2021. https://doi.org/10.1111/jvim.16211
  3. Analysis of the gut microbiome in dogs and cats, 2021. https://doi.org/10.1111/vcp.13031
  4. The Role of the Canine Gut Microbiome and Metabolome in Health and Gastrointestinal Disease, 2020. https://doi.org/10.3389/fvets.2019.00498
  5. Paraprobiotics: A New Perspective for Functional Foods and Nutraceuticals, 2021. https://doi.org/10.3390/nu13041225
  6. Canine Healthy Soil Hypoyhesis, 2020: https://ivcjournal.com/testing-the-canine-healthy-soil-hypothesis/
  7. Bucho natural x bucho alvejado: https://www.therawstorm.com/post/what-s-the-hype-about-green-tripe
  8. Nutrientes e propriedades do bucho natural: https://www.rawessentials.co.nz/education/all-about-green-tripe

Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.

Obrigada por acompanhar os canais do Cachorro Verde!