Você já deve ter visto por aí cães e gatos com manchas marrom-avermelhadas sob os olhos, a famosa “lágrima ácida”. Essa condição é muito comum no Spitz Alemão, Buldogue Francês, Maltês, Shih Tzu, Poodle, Chihuahua, Bichon Frisé, no gato Persa e em outros pets de pelagem clara e/ou de focinho achatado.
Embora sujem a carinha do pet, as manchas são geralmente inofensivas, salvo quando associadas a problemas oculares (mais sobre isso abaixo). O nome técnico da “lágrima ácida” é “cromodacriorreia” e, pasme!, o problema não tem a ver com o pH da lágrima.
Um estudo realizado na USP (GUSSONI e BARROS, 2003) aferiu o pH da secreção lacrimal de 65 Poodles, sendo 35 cães com manchas por lágrimas e 30 sem manchas. A literatura científica informa que a lágrima canina é uma solução levemente alcalina, com pH médio de 7,5. Os pesquisadores da USP verificaram que a maioria dos Poodles apresentou valores de pH lacrimal entre 5 e 6 – isso para os que tinham manchas e para o que não tinham também, derrubando a hipótese de que a acidez seria a responsável pelas manchas.
O que determina o aparecimento dessas manchas, afinal? Ninguém sabe exatamente. Mas há evidências de que esteja relacionado com a alimentação, como o próprio estudo relatado acima verificou. Nossos seguidores e clientes vira e mexe me contam que quando comiam ração seus cães tinha essas manchas e que elas sumiram depois de instituída Alimentação Natural (AN) – e vice-versa.
A lágrima dos pets tem porfirinas, compostos que contêm ferro resultante da quebra dos glóbulos vermelhos do sangue. A produção e a secreção de porfirinas tem influência genética (racial), ambiental, alimentar e podem ser decorrentes de algum problema de saúde.
Anormalidades nas pálpebras e cílios causam irritação e predispõem a inflamações e infecções que aumentam o lacrimejamento e consequentemente a quantidade de porfirinas presente na lágrima. Outra causa comum é a obstrução do canal lacrimal, algo frequente em pets de focinho achatado. Quando o canal lacrimal entope a lágrima não consegue descer para a boca (onde é deglutida) e acaba escorrendo pela face, onde reage com o oxigênio e/ou com a microbiota local (a população de bactérias que ali habita).
Tenho uma teoria de que alergias alimentares podem interferir com a drenagem da lágrima justamente ao causar um edema (“inchaço”) nos canais lacrimais e impedir assim o escoamento normal da lágrima para a cavidade oral. Quando um paciente apresenta cromodacriorreia indico uma consulta com um veterinário atuante em Oftalmologia para primeiro descartar anormalidades em cílios, pálpebras etc. Se tudo parece estar bem com os olhos do pet indico mudanças na dieta.
Percebo que a oferta muito regular de frango, peru e, menos frequentemente, de grandes quantidades de fígado e baço (por serem fontes importantes de ferro) influenciam o surgimento dessas manchas em pets predispostos a tê-las. Para entender se a causa pode ser essa proponho reduzir um pouco a proporção de carnes da dieta e passar cerca de 45 a 60 dias oferecendo filé de peixe e carne suína magra como fontes de proteína – nada de frango, peru, carne bovina ou vísceras.
Invariavelmente as manchas costumam desaparecer. Num segundo momento o tutor volta com o frango, peru, carne bovina e pequenas quantidades (não mais que 5% da dieta) de fígado e baço – introduzindo uma única “novidade” a cada 15 dias e observa como os olhinhos do peludo reagem a cada nova inclusão. Assim conseguimos isolar o alimento responsável pelo aumento do lacrimejamento e pelo surgimento das manchas.
Pela minha experiência, frango e/ou peru são os alimentos mais comumente implicados no surgimento das manchas. Mas se no caso de seu peludo vísceras valiosas para o balanceamento da dieta, como fígado, rim e baço, parecem causar manchas, experimente inclui-las na dieta com 2,5% a 3% (ao invés de 5%) e sirva-as 2-3 dias por semana ao invés de diariamente.
Também recomendo servir sempre água filtrada, administrar probióticos regularmente e conversar com a vet de sua confiança sobre administração de alimentos superverdes e fitoterápicos que auxiliam na destoxificação do organismo, como clorella, silimarina, dente-de-leão, clorofila e spirulina.
“Mas Sylvia, e aqueles produtos que existem por aí e que prometem deixar a cara do pet branquinha, branquinha?”
Depende. Confira atentamente a composição do produto e dispense-o se contiver tilosina, um antimicrobiano comumente indicado para controlar essas manchas. O uso indiscriminado de antibióticos gera resistência e cria superbactérias – o que ninguém quer. Além de não atuar na causa do problema. Mas se for um produto fitoterápico e o vet do seu peludo aprovar, pode ser uma alternativa para controlar as manchas. Não se sabe se esses produtos atuam quelando (se ligando) às porfirinas da lágrima ou controlando a microbiota da pele que reage com a lágrima.
Leia mais sobre esse assunto:
- Epífora no cão: mensuração do pH da lágrima – Dra. Flávia Renata Araújo Gussoni e Dr. Paulo Sérgio de Moraes Barros http://www.scielo.br/pdf/bjvras/v40n2/v40n2a01.pdf
- What May Be Behind Your Pet’s Unsightly Tear Stains – Dra. Karen Becker. https://healthypets.mercola.com/sites/healthypets/archive/2016/10/21/pet-excessive-tear-production.aspxuw
Comunicado do site Cachorro Verde
As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança. Obrigada por acompanhar os canais do Cachorro Verde!