Uma tradição milenar de virtualmente todas as culturas humanas é servir uma sopinha a pessoas adoentadas. O que pouca gente sabe é que o segredo dessa refeição leve e despretensiosa está no valioso caldo que forma a base da sopa. E é desse caldo que quero tratar no post de hoje.
Quando um cão ou gato não está legal, andou vomitando e/ou tendo diarreia, ou então está em recuperação pós-cirúrgica, é um velhinho inapetente ou filhote fraquinho, ou simplesmente resolveu fazer greve de fome em virtude de uma azia ou dor, um bom caldo caseiro de carne e ossos pode fazer maravilhas!
Esse tipo de caldo caseiro é tão nutritivo que muita gente usa para cães e gatos saudáveis, como petisco, para cozinhar os alimentos de pets que precisam de um reforço no aporte de nutrientes, como atrativo sobre refeições de animais seletivos pra comer, ou mesmo como única refeição durante um dia de jejum semanal de sólidos – prática adotada por muitos adeptos de AN para fortalecer e desintoxicar o sistema de cachorros adultos.
Vejamos as principais vantagens associadas ao caldo:
• Costuma ser irresistível! Até mesmo peludos enjoadinhos pra comer topam lamber um prato de caldo morninho e cheiroso.
• Tem efeitos antiinflamatórios comprovados cientificamente, ajudando a reduzir desconforto e dores. Confira aqui um excelente artigo escrito pelo médico Dr. Alexandre Feldman a respeito.
• Nutre e repara a mucosa gastrintestinal inflamada, prevenindo o perigoso processo de translocação bacteriana, que é quando bactérias intestinais invadem a corrente sanguínea.
• É rico em minerais como cálcio, fósforo, magnésio, além de glucosamina e condroitina – elementos que protegem e restauram as articulações. Tudo numa forma facilmente assimilável pelo corpo
• É denso em glicina, molécula benéfica às articulações e ossos, pele, coração, sistema digestivo e que ainda ajuda o fígado na desintoxicação do organismo.
• “Afia” a capacidade de digestão, otimizando o aproveitamento dos nutrientes.
• Hidrata, graças à presença de sais minerais.
Em que situações oferecer
Seu peludo não para de vomitar? Primeiro, certifique-se junto ao veterinário de sua confiança de que ele não esteja sofrendo de uma situação emergencial, como obstrução gastrintestinal causada por algum objeto retido, ou alguma doença infecciosa.
Da mesma forma como se indica repouso a alguém que tenha acabado de torcer o pé, recomenda-se jejum de alimentos sólidos para um animal com inflamação gastrintestinal. Quando meus cães apresentam episódios repetidos de vômitos e/ou diarreia, costumo deixá-los em jejum de sólidos durante 12 a 24 horas para “acalmar” o tubo digestório. Água continua liberada à vontade, claro. Água de coco natural (evito a de caixinha, empobrecida pela pasteurização e cheia de conservantes) também ajuda, servida com moderação algumas vezes durante o dia. Sempre que o mal-estar persiste por mais de 24h, entro com um caldo de carne e ossos.
Como preparar o caldo
Existem inúmeras maneiras de preparar um bom caldo caseiro. A receita que vou ensinar aqui é simples e usa frango. Mas você pode preparar com ossos bovinos, com peixe inteiro, com ossos de porco e outras espécies de animais – cordeiro, coelho ou cabrito, por exemplo, para pets alérgicos a frango ou boi – usando os mesmos princípios.
Caldos preparados exclusivamente com vegetais também podem ser oferecidos, mas não são tão densos nos nutrientes-chaves fundamentais para a recuperação da saúde dos pets como os preparados com ossos e carne, nem são tão atraentes ao paladar dos nossos carnívoros de estimação. Na Internet você encontra muitas receitas diferentes de caldos. Apenas tome cuidado com receitas de caldos para humanos que usam um alimento considerado tóxico para nossos pets: a cebola. Jamais ofereça alimentos que tenham sido preparados com cebola. Isso inclui as papinhas industrializadas (Nestlé e afins), muitas vezes erroneamente oferecidas no lugar de um muito mais seguro e nutritivo caldo caseiro.
Super importante: fuja daqueles caldos industrializados em formato de quadradinhos. São bombas de sódio e aditivos potencialmente prejudiciais à saúde, como o glutamato monossódico.
Encha uma panela bem grande com bastante água de boa qualidade. O ideal é usar água filtrada ou mineral com pH acima de 6.5 (acima de 7.0 seria melhor). Para descobrir o pH consulte as informações no rótulo da garrafa. O volume de água a adicionar depende de quanto caldo você pretende preparar. Pode-se preparar um pouco, por exemplo, 500ml ou 1 litro e armazenar em geladeira por até três dias para ir oferecendo, ou fazer logo de uma vez dois, três ou até cinco litros, porcionar em potinhos menores e congelar por até 3 meses. As propriedades do caldo não são afetadas pelo congelamento. Pode ser uma boa ideia estocar alguns potinhos de caldo se você tem um pet que costuma passar por episódios esporádicos de gastrite, enterite ou qualquer condição que resulta em falta de apetite ou dificuldades digestivas.
Não use a panela de pressão para preparar o caldo. Sim, o cozimento na pressão leva uma fração do tempo. Mas o objetivo aqui é o oposto: queremos cozinhar lentamente, em temperaturas amenas, justamente para dar tempo dos nutrientes dos ossos saturarem a água e formarem o caldo. Além do mais, cozimentos violentos, como a pressão, acarretam perda de nutrientes.
Para fazer um volume grande de caldo, pegue um frango inteiro (contendo ossos e carne) e coloque-o dentro da panela. Se tiver acesso a frango de criação caipira ou orgânica, melhor ainda. Adicione uma boa colher de chá de vinagre de maçã (também, se puder ser orgânico, melhor). O ácido acético do vinagre favorece a transferência dos minerais e elementos dos ossos para a água.
Prontinho! Agora é só acender o fogo e esperar. Quando ferver, baixe o fogo para a menor chama possível e deixe a panela ali, quietinha, semi-tampada, cozinhando lentamente, por 6 horas, que é o tempo mínimo para obter um bom caldo. Esse longo tempo de cozimento em temperaturas amenas garante que os minerais e nutrientes dos ossos e tecidos do frango (ou da carne que você escolheu) se desprendam e se concentrem na água. Embora pareça apenas “água”, o caldo é lotado desses elementos valiosos que nutrem e hidratam o peludo debilitado.
Note que assim que a água começa a ferver, pode surgir uma camada de espuma na superfície. Remova essa espuma com auxílio de uma escumadeira. De acordo com a culinarista Pat Feldman, essa espuma concentra eventuais toxinas presentes na carne e ossos e pode comprometer o cheiro e sabor do caldo.
Dentro de aproximadamente 4 horas de cozimento a carne se desprende dos ossos e você pode removê-la e armazená-la para usar na porção de carnes da dieta do seu peludo, ou destiná-la a outros propósitos.
Completou pelo menos seis horas de cozimento? O caldo já pode ser servido. Com uma concha de sopa, retire uma porção, passe pela peneira para desprezar fragmentos, espere esfriar e sirva morno ao seu amigão. O restante fica no fogo para completar as 24 horas de cozimento. Só não vale se empolgar na quantidade, mesmo que o peludo esteja há 24 horas sem se alimentar e pareça um morto de fome diante do prato. Ingestão excessiva de qualquer coisa, até mesmo de água, pode provocar vômitos – que é justamente o que estamos procurando sanar. Também não precisa servir muito. Basta um pouco para nutrir intensamente.
Não existe quantidade ideal, vai muito de cada caso. Abaixo, algumas sugestões:
• 50ml por vez, 2-4 vezes ao dia, para cães de porte miniatura e gatos
• 100ml por vez, 2-4 vezes ao dia, para cães de porte pequeno e gatos
• 150ml por vez, 2-4 vezes ao dia, para cães de porte médio
• 250ml por vez, 2-4 vezes ao dia, para cães de porte grande
• 300ml por vez, 2-4 vezes ao dia, para cães de porte gigante
Ofereça o caldo durante alguns dias, até o peludo se recuperar – parar de vomitar e/ou de ter diarreia. Quando ele parecer zeradinho, retorne gradativamente à dieta anterior.
Por favor, use sempre o bom senso: se seu amigão continua a passar mal, não hesite em consultar o médico-veterinário de sua confiança.
Para concentrar ainda mais os nutrientes do caldo, continue cozinhando o que sobrou em fogo baixo por até 24 horas, mexendo de tempos em tempos. Depois de um dia inteiro de lenta fervura, os ossos amolecem ao ponto de quase dissolverem. Durante o lento cozimento, se notar que o volume do caldo está caindo muito, não hesite em ir completando com mais água. Finalmente, desligue o fogo, coe o caldo para desprezar os fragmentos de ossos cozidos, espere esfriar e separe em recipientes para armazenar em geladeira por até 3 dias ou congelar por até 3 meses.
Lembre-se de não descongelar ou aquecer o caldo no micro-ondas. Exposições ao micro-ondas, ainda que breves, empobrecem e alteram as propriedades do caldo – confira aqui nosso artigo a respeito.
Para entender melhor, assista ao nosso vídeo de demonstração do preparo:
Quer saber mais? O caldo caseiro é tão importante que encontramos livros inteiros (por enquanto, só em inglês) que abordam os inúmeros benefícios do consumo de caldo para humanos: