A gente precisa ter essa conversa. Vamos lá!
Sobrepeso é quando o pet está até 15% acima do peso saudável. Ou seja, caso um cão que fica bem com 10kg venha a pesar até 11,5kg, dizemos que ele tem sobrepeso. A partir de 15% de peso extra, chamamos de obesidade.
Em 2014, pesquisadores (Aptekmann et al., 2014) avaliaram que 41% dos cães brasileiros tinham sobrepeso e 27% estavam obesos. Um estudo mais recente, de 2019, realizado no município de São Paulo, verificou sobrepeso em 40,5% dos cães e obesidade em 14,6%.
De acordo com o boletim de 2018 da entidade Association of Pet Obesity Prevention, nos Estados Unidos, o sobrepeso foi verificado em 26% dos gatos e a obesidade, em 34%. Essa associação estima que o país tenha 56% de cães e 60% de gatos com excesso de peso 🙀. São dados que aumentam ano a ano e essa é uma tendência global.
E com as mudanças trazidas pela pandemia – tutores em casa, dividindo mais alimentos com os pets e passeando menos – o cenário tende a piorar.
Quando pets acima do peso são a norma a gente perde a habilidade de reconhecer o problema. Muitos tutores consideram o sobrepeso de seus animais como sendo peso normal e enxergam um pet no peso ideal como estando abaixo do peso. Isso é muito preocupante.
Diariamente atendo peludos com excesso de peso. Com frequência, eles ficam preguiçosos para brincar e passear e o apetite fica seletivo e imprevisível. Os gatos não conseguem se limpar e desenvolvem dermatites. O excesso de tecido adiposo aumenta a produção de citocinas inflamatórias, o que baixa a imunidade e eleva absurdamente nos pets o risco de desenvolver hipertensão arterial, cardiopatia, doença renal, dermatites, disfunção cognitiva, desgaste das articulações, câncer, diabetes mellitus, hipotiroidismo, pancreatite e, nos felinos, lipidose hepática. Por fim, diversos estudos mostram a relação entre excesso de peso e uma vida cerca de 3 anos mais curta em cães.
Aqui, trago minha experiência com prevenção, reconhecimento e enfrentamento do sobrepeso e da obesidade em cães e gatos.
Escore Corporal
O primeiro passo é aprender a reconhecer o índice de escore corporal do seu pet.
Comparativo de escore corporal de cães.
Fonte: Global Nutrition Guidelines – WSAVA
- Comparativo de escore corporal de gatos.
Fonte: Global Nutrition Guidelines – WSAVA
Fome x apetite
Fome é a necessidade fisiológica de alimento. Apetite, gula, é a vontade de comer. Cães são gulosos por natureza e a maioria não tem auto-controle. Estar sempre disposto a comer – e muito – é uma vantagem evolutiva, já que caçar envolve dispêndio de energia e nem sempre tem êxito. É normal seu cão não ficar saciado, mesmo que ele esteja sadio e bem de peso.
Quando todos em casa são consistentes e não estimulam a oferta de alimento fora das refeições o pet se acostuma e pára de esperar comida. Experimente exercitar isso, sem falha, por 15 dias seguidos.
Composição da dieta
Carnes magras são muito importantes na dieta de cães e gatos acima do peso. Isso, porque o elevado teor de proteína aumenta a saciedade e preserva a massa magra durante o emagrecimento, além de ter baixo índice glicêmico. Carboidratos (cereais, tubérculos) devem, sempre que possível, ser reduzidos (ou até retirados) na dieta. A gordura pode ser mantida em níveis moderados, para não contribuir tantas calorias, ou elevados quando se busca um efeito cetogênico. Um profissional que atue com nutrição clínica de pets poderá realizar os ajustes necessários.
Sirva menos
Pense em alimentar melhor, com muita qualidade, mas alimentar menos, em menor quantidade. Assim se garante boa nutrição, com controle de energia consumida. Uma redução de 10% a 15% no total diário de alimento servido em gramas já poderá fazer uma grande diferença e seu pet provavelmente não a perceberá. Pese seu cão ou gato a cada 15 dias e vá acompanhando. Lembre-se: alimentar além do necesssário agrada o pet temporariamente, mas coloca a saúde dele em risco.
Petiscos
Passada a fase de adestramento, em que usamos petiscos como recompensa para comportamentos desejados, restrinja a oferta de qualquer petisco a até 10% do total da dieta. Ou seja, se minha Polly come 300g de AN por dia, 30g (10% a mais de 300g) é o máximo que sirvo a ela de petiscos por dia. Ainda que sejam opções saudáveis. Sério, essa é a dica mais importante.
Se isso for muito difícil, experimente “tapear” seu cão com cubos de caldo caseiro de ossos congelado (www.cachorroverde.com.br/caldo). Nutritivo, delicioso e pouco calórico. Ou chuchu e abobrinha cozidos.
Quando servir
Nada de deixar comida à vontade. Habitue seu cão adulto a receber uma a duas refeições ao dia (três, se tiver hipoglicemia ou não se adaptar). Gatos adultos podem receber duas a três refeições ao dia. Em vez de dividir comida da mesa com o pet, o que estimula a imploração incessante por alimento, sirva as refeições dele nesses momentos.
Outra idéia é o jejum intermitente. Nele, servimos as refeições do pet adulto em uma janela de 8-10h (exemplo: das 10h às 18h) e não servimos alimento até 10h do dia seguinte. Eles em geral se acostumam bem.
Pequenas (grandes) atitudes
Parta o petisco em pedacinhos para render mais; cães engolem pedaços grandes na mesma velocidade que engolem os miudinhos. Use menos alimento e mais carinho, elogios e brincadeiras.
Sempre que possível pratique pelo menos 30 minutos diários (ou 3x por semana) de exercício aeróbico com seu pet. Para cães muito pesados prefira caminhadas no ritmo dele e natação. ‘É fundamental aumentar o gasto calórico.
Acompanhamento veterinário
Para ajustes individuais conte com acompanhamento profissional. Em casos difíceis, a veterinária poderá prescrever aliados, como fibras e nutracêuticos que modulam o apetite, e probióticos (o metabolismo depende da saúde do microbioma intestinal). Animais que não emagrecem merecem investigação. Certas doenças, como hipotiroidismo, ou tratamentos que aumentam o apetite, como anticonvulsivantes e corticoides, podem contribuir. Não desista de ajudar seu pet a viver melhor. Procure ajuda! 💚
Referências:
- Association of Pet Obesity Prevention: https://petobesityprevention.org
- Global Nutritional Guidelines, WSAVA <https://wsava.org/global-guidelines/global-nutrition-guidelines/>
- Obesidade canina: um estudo de prevalência no município de São Paulo – SP, 2019 <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/10/10136/tde-04072019-110719/pt-br.php>
- Aspectos nutricionais e ambientais da obesidade canina, 2014. <https://www.scielo.br/j/cr/a/TcdrG6RGKh5Rknn8JZWyMnK/?lang=pt&format=pdf>
Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945
Comunicado Cachorro Verde
As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.
Obrigada por acompanhar os canais do Cachorro Verde!