Cães e gatos não requerem carboidratos, podem obter energia a partir de proteína e gordura. No ambiente natural, o teor de carboidrato da dieta de lobos e felinos não chega a 5%. Entretanto, eu não condeno a inclusão racional de carboidratos na dieta dos cães e considero a utilização desse macronutriente um recurso na formulação de dietas.
Incluir carboidratos como até cerca de um terço da dieta viabiliza a AN a mais cães porque permite reduzir a quantidade de carne, justamente o componente mais caro. AN com carboidrato é bem tolerada pela maioria dos cães e resulta em níveis moderados de proteína e gordura na dieta, o que pode ser desejável dependendo dos objetivos.
Claro, há situações em que a redução drástica dos carboidratos é altamente indicada, como para pacientes oncológicos e diabéticos. Mas realmente não vejo o carboidrato como um elemento que desabone a AN. Acompanho cães com vidas longas e produtivas que comem dietas com e sem carboidrato. Em um contexto favorável de manejo, que garante pilares como atividade física regular, cuidado com o peso, o estresse e a exposição a toxinas, a meu ver o carboidrato sem exagero não atrapalha.
E é importante salientar: uma dieta com um terço de carboidrato pode ter a maior parte das calorias derivadas da carne. Veja essas análises feitas em software:
Exemplo 1: 350g de músculo bovino, 50g de fígado bovino, 350g de arroz integral, 30g de espinafre, 110g de brócolis, 110g de vagem, 1 colher de sopa de óleo de linhaça e 1g de óleo de peixe = 46% de proteína, 32% de gordura, 22% de carboidrato e 1% de fibras.
Exemplo 2: 350g de lombo suíno, 50g de fígado bovino, 350g de batata-doce, 30g de couve-manteiga, 110g de vagem, 110g de abobrinha, 1 colher de sopa de azeite de oliva extravirgem e 1g de óleo de peixe = 45% de proteína, 24% de gordura, 31% de carboidrato e 1,5% de fibras.
E para os gatos? Sendo carnívoros obrigatórios, menos aptos a lidar com amido, geralmente evito carboidratos.
Por fim, prefiro fontes de carboidratos específicas, evitando trigo e milho pelo potencial alergênico, e leguminosas (soja, grão-de-bico, lentilha) pela digestão difícil. Vejamos opções de carboidratos que considero adequadas para AN canina.
Arroz
Em geral, prefiro o arroz integral e arroz parboilizado ao arroz branco, pelo índice glicêmico intermediário e maior concentração de nutrientes dos dois primeiros. O índice glicêmico do arroz pode ser reduzido refrigerando ou congelando-o depois de cozido. Assim se forma o amido resistente. Para um arroz integral ou parboilizado mais limpo, deixe-o de molho em água morna com um fio de vinagre de maçã ou uma espremida de limão por 6-8h. Depois descarte a água e cozinhe.
Batata-doce
Ela tem índice glicêmico moderado e fornece generosamente betacaroteno que possui ação antioxidante e é convertida pelo organismo dos cães em vitamina A, muito benéfica à saúde dos olhos e à imunidade. Também concentra vitamina C e vitaminas do complexo B, em especial a B6, e os minerais potássio e manganês. Os cães costumam adorá-la; mas esteja atenta, em alguns ela pode provocar gases. Sirva com ou sem a casca.
Mandioquinha
Também conhecida como batata salsa e batata baroa, esse tubérculo amarelinho de preço muitas vezes salgado, tem fácil digestão. Ao contrário da batata-doce, não gera gases. É também uma opção pouco calórica de tubérculo que fornece betacaroteno, vitamina C, potássio e magnésio. Percebo que ela divide gostos no universo canino: metade aprecia e metade torce o focinho. Sirva com ou sem a casca.
Inhame
O inhame é fonte de carboidratos complexos e é famoso por sua riqueza de compostos bioativos com efeitos antiinflamatórios, como polifenóis, carotenóides e vitamina C. Dentre as opções de carboidratos citadas nesse post, o inhame apresenta o maior teor de fibras e tem o menor índice glicêmico. Para prevenir fezes amolecidas, recomendo introduzi-lo aos poucos na dieta do seu cão caso ele nunca tenha consumido inhame. E remova a casca.
Cará
Similar ao inhame, o cará só diverge em relação ao teor de fibras mais baixo. Isso o torna mais seguro a cães cujo intestino desanda quando consomem inhame. Também é fonte de carboidratos complexos e de potássio, ferro, vitaminas do complexo B e vitamina C. Experimente fazer purê, triturando com um pouco de carne ou caldo de ossos, rechear brinquedos e congelar. Remova a casca.
Quinoa
Pena que é cara! Esse grão andino que na verdade é uma semente fornece carboidratos de digestão lenta, com alto aporte de fibras e baixo teor calórico. Fornece proteína, vitaminas do complexo B, magnésio, ferro, zinco, potássio, fósforo e até um pouco de vitamina E. Prefira a quinoa em grãos, de qualquer cor, à versão flocada.
Mandioca e batata inglesa
A batata inglesa fornece vitamina C, potássio e vitamina B6. É a segunda opção menos calórica dessa lista, mas tem o maior índice glicêmico. Ao prepará-la remova brotos, partes verdes e a casca – eles concentram solanina, alcalóide com potencial tóxico se consumido em grande quantidade.
A mandioca (ou aipim, ou macaxeira) é mais calórica, possui índice glicêmico moderado e tem teor mais alto que a batata de ácido fólico. Remova a casca e cozinhe bem para não servi-la fibrosa; assim é melhor digerida.
Aveia em flocos
Como fonte de carboidrato na AN ela entra cozida, não crua. Em uma panela, adicione uma medida de água e uma de aveia em flocos e mexa em fogo médio até engrossar. A aveia é rica em vitamina B1, ferro, magnésio, manganês e beta-glucanas, fibras solúveis que ajudam a modular a resposta imunológica e favorecem o microbioma intestinal. Se possível, compre sem glúten; a aveia originalmente não tem glúten, mas se contamina no processamento.
Teor de macronutrientes e calorias de 100g de alimentos cozidos:
(Referências: tabelas TACO, Tucunduva, USDA)
Importante: sirva carboidratos sempre bem cozidos; não são digeridos crus.
Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945
Comunicado Cachorro Verde
As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.
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