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Lendo a edição de verão da sempre ótima revista americana The Bark, achei particularmente fascinante o artigo abaixo, assinado pela comportamentalista Ph.D, Patricia McConnell. Decidi traduzi-lo e publicá-lo no blog por julgar muito relevantes as dicas que ele traz. Estamos vivendo no Brasil um momento interessante de ampliação da consciência de se adotar cães – na maioria das vezes adultos (ou até idosos) e sem raça definida. Até nós, editoras do site Cachorro Verde, que sempre fizemos questão de ter cães de raça, revemos nossos (pré) conceitos e nos apaixonamos pela Polly, virinha preta absolutamente encantadora que se tornou integrante da nossa familia. (Leia tudo sobre isso aqui, orgulhosamente, o nosso post mais divulgado e comentado!)

Mas não pensem que não tomamos uns sustinhos com a Polly, principalmente, de início. Antes de adotá-la, conversamos um tempão com sua responsável, a amiga veterinária e comportamentalista Vanessa, da deliciosa creche canina Cãominhando.  Polly parecia uma boa pedida para nossa realidade: porte pequeno, pelagem que exige zero manutenção, saudável e, acima de tudo, amistosa e brincalhona com pessoas e com os cães que frequentam a creche onde permaneceu por cerca de um ano. Mas antes disso, Polly vivera em um cortiço, à própria sorte, onde fora resgatada doente e cheia de manias inconvenientes. Ou seja, as (maravilhosas!) protetoras que a recolheram precisaram reabilitá-la em dois âmbitos: o da saúde geral e o do comportamental. E fizeram um trabalho excepcional.


Nossas Polly e Corah

Mas no dia em que veio para casa, ela subiu no sofá da sala e deu um “chega-pra-lá” bem rosnento na boboca da Corah, nossa Golden. Imediatamente, ouviu da gente um “não” e foi colocada no chão. Ficou sem acesso a todos os lugares altos da casa por um bom tempo, até aprender a se comportar. E aprendeu, para nosso alívio. Em poucos dias já estava rolando no chão com a Corah e respeitando a Maya, salsichinha, e o comandante da matilha, Oliver, um Sheltie de 10 anos. Também perseguia nossos gatos, para a agonia inicial dos bichanos, mas aprendeu a deixá-los em paz. Durante os passeios na rua, parecia uma doida varrida, querendo ir em 5 direções simultaneamente. Mas, graças à mágica de um enforcador bem colocado, hoje caminha exemplarmente.

Na hora das refeições, torcia o focinho para os legumes. Cuspia-os no chão e ainda fazia caretas. Com adaptação gradual, associada à pressão do grupo (que é da filosofia “caiu-no-chão-tô-comendo”), Polly aprendeu a apreciar todos os vegetais que servimos, mesmo os pedaços grandes. Carente e insegura, certa vez passou a noite acidentalmente fora do nosso quarto (onde dorme num cantinho) e, confusa e sentindo-se rejeitada, fez xixi e cocô no quarto de hóspedes – o que ela até então jamais fizera. Entendemos o ocorrido e nos certificamos de remediar a situação. O incidente não mais se repetiu.

Há alguns meses a levamos junto com a Corah para uma sessão de fotos das duas best-friends-forever ao ar livre. Corah está habituada a ficar sem guia em parques (jamais a solto em passeios), se mantém por perto e nos obedece. Quando tivemos a infeliz ideia de soltar a Polly da guia por um minutinho para fazer umas fotos mais naturais, a bichinha saiu desembestada parque afora. Por pouco não tivemos um AVC na hora. Graças aos céus, rapidamente consegui prendê-la e aprendemos uma importante lição nesse dia. Quando frequenta áreas não-cercadas onde cães brincam soltos, Polly agora usa uma guia de 9 metros, que eu seguro, dando mais ou menos corda enquanto vou chamando-a de volta e a recompensando quando me obedece.

Enfim. Tudo isso o que relatei tem sido/está sendo contornado, com paciência e sempre acreditando no imenso potencial dessa cachorrinha carinhosa, mansinha, brincalhona e muito inteligente. Mas, nas mãos de outra pessoa, qualquer uma dessas travessuras normais de cães calouros poderia ser o bastante para justificar a devolução – ou, infinitamente pior – o abandono da pobrezinha.

Maaaas, não pensem vocês que nossos cães de raça também não aprontaram das suas. Oliver destruiu um cashmere londrino que eu amava quando era filhote, e até alguns anos, revirou muito lixinho de banheiro na nossa ausência. Corah roeu um dos pilares que sustentam a parte de trás de casa, encheu o jardim de buracos, engoliu várias pedras e inúmeros cocôs, destroçou enfeites de nossa árvore de Natal, e até hoje demonstra todo o seu amor pelas visitas abocanhando-lhes o braço com a imensa boca babosa. Maya, adotada aos 3 anos, teve dificuldades de aprender a fazer xixi e cocô no lugar certo e tinha o fino hábito de degustar fezes sobre o sofá da sala.

Então, a pergunta real é: que cachorro não apronta? É preciso ter paciência com todos eles, independentente de raça, idade e porte. E acreditar que esse comportamento indesejável pode – e na maior parte das vezes vai – passar.

Fiquem com os maravilhosos escritos da Dra. Patricia McConnell.

Bem-vindo: ajudando um cão adulto recém-adotado a se adaptar ao novo ambiente

por Patricia McConnell, PhD
Retirado da revista The Bark, edição de junho a agosto, de 2011, página 50.

Tradução: Sylvia Angélico

Barbara me procurou desesperada. Seu pé se agitava pra cima e pra baixo enquanto ela me contava sobre os problemas que vinha tendo com sua nova cadela adotada, Isabelle. Uma cadela do tipo “esfregão” – talvez 7 quilos de cachorra e 2,5 quilos de pelos -, Isabelle havia sido adotada de um lar temporário havia mais ou menos um mês. Era uma cadelinha adorável, doce e amistosa, mas estava levando Barbara e seu marido à loucura. “Ela tem cinco anos de idade e ainda faz xixi pela casa; não vem quando é chamada; e ontem à noite, roeu um dos meus livros favoritos. Meu marido está perdendo a paciência e eu tenho que admitir: minha paciência também está por um fio.”

Barbara não está sozinha em relação a esse transtorno, e acredite ou não, de alguma forma isso é algo maravilhoso. Aleluia, irmãos, está se tornando cada vez mais frequente a adoção de cães adolescentes ou adultos – geralmente oriundos de abrigos e grupos de resgate, mas ocasionalmente, também de vizinhos, criadores ou amigos cujos cães simplesmente precisavam de uma vida melhor. Não importa a sua origem, cães adolescentes e adultos (acima de cinco ou seis meses de idade) representam um conjunto de desafios diferentes em relação a filhotes de nove semanas de vida. Existem dois princípios importantes para manter em mente ao adotarmos um cão parcialmente ou totalmente crescido.

Talvez o mais importante deles é ter consciência de suas próprias expectativas. Adestradores e comportamentalistas vêem isso direto: filhotes novinhos têm mais “desconto” para o que se rotula de mau comportamento. Mas há um conjunto totalmente diferente de expectativas para os cães que já cresceram e saíram da fase “fofinha”. Para citar um exemplo, ninguém espera que um filhote de dois meses já tenha aprendido as regras de higiene (bem, pelo menos a maioria das pessoas não espera isso), mas é comum ficarmos frustrados e irritados quando um cão adulto tem um desses “acidentes”. (“Poxa, ele já é adulto; como pode fazer xixi na sala?”).

Suspeito que este é um daqueles casos em que confundimos as espécies. Eu seria a primeira a cair dura se uma pessoa adulta urinasse na sala da minha casa, mas cães não são pessoas peludas, e só porque obedeciam ao treinamento de higiene em seu local de origem, não significa que irão automaticamente generalizar e repetir esse comportamento em outra casa. Isso acontece até com cães bem adestrados mas que não foram acostumados a permanecer em casas diferentes. E é um problema para cães que foram ensinados a fazer as necessidades somente  dentro de casa. (Afinal, muitos de nós já tivemos um cão que ergueu a perna sobre a árvore de Natal, certo?)

Até mesmo o Cool Hand Luke, meu cachorro de ouro, aquele que é um em um milhão, deu trabalho para aprender as regras de higiene. Ele passou o primeiro de sua vida em um canil antes de eu adotá-lo e nesse lugar permitiam a ele uma única saída diária para comer e fazer cocô. Não é de surpreender que as coisas não tenham dado lá muito certo quando ele veio viver na minha casa. Não consigo me lembrar de uma situação em que os problemas dele ficaram mais evidentes do que quando o levei comigo para uma aula de socialização de filhotes que eu estava dando. Ele estava comigo há mais ou menos 6 meses, e era um fofo, uma graça mesmo com filhotes. Então o levei comigo. Luke e eu estávamos parados lado a lado quando uma moça se aproximou com um daqueles filhotes de Labrador amarelo, de ossatura pesada e olhos grandes que fazem a gente se derreter toda. Enquanto eu brincava com o bebezão, Luke ergueu a perna e fez xixi no calcanhar da moça. Ambas chocadas, eu e ela nos entreolhamos; e então eu disse, com uma expressão séria, “se você se comprometer a vir a todas as minhas aulas e se esforçar bastante, você também poderá ter um cachorro assim, educado como Luke!” Sorte a minha, a mulher caiu na gargalhada, e permaneceu na aula sem pedir o dinheiro de volta.

Muitos cães resgatados têm melhores modos do que tinha o Luke quando eu o adotei, mas não importa de onde eles vêm, não podemos esperar que cães adultos venham morar conosco sem problema algum, já adaptados. Garanto a você que (a) a maioria das pessoas responderá a essa afirmação com um “Mas é claro que não!” e (b) a maior parte das pessoas irá entrar em pânico lá para o 8o. dia se o pet novo não se aproximar do ideal de perfeição. Isso não acontece porque somos burros e ignorantes; e sim porque somos pessoas e fomos condicionados a esperar que cães que parecem ser adultos se comportem de determinadas maneiras.  Mas cães que não cresceram com a gente não aprenderam as nossas regras, não generalizam o mundo usando as mesmas categorias que nós e não fazem a menor ideia sobre o que nós esperamos deles. Normalmente leva umas boas três semanas para o mais estável dos cães se acomodar ao novo ambiente, mas frequentemente leva de seis meses a um ano para você ter o cão que pensou que estivesse adotando.  O que nos traz ao segundo grande princípio: paciência.

A paciência é uma parte tão importante para moldar um novo cão à sua vida que é possível ficar impaciente diante do número de vezes que a Karen London e eu mencionamos as virtudes da paciência em nosso novo livro Love Has No Age Limit (O Amor Não Tem Limite de Idade, inédito no Brasil). Mas “tenha paciência” é um mantra que todo mundo, profissionais e amadores, deveria repetir diariamente (para não dizer de hora em em hora).

E já que estamos falando sobre isso, traga também o melhor amigo da Paciência, que é o Acreditar, porque você vai precisar dele também. Acreditar que você não cometeu um erro terrível; que sim, seu novo cachorro vai parar de chorar e de andar pra lá e pra cá; e que eventualmente, as coisas irão se normalizar e a agonia mútua (sua e do cachorro) irá evoluir até a matilha se tornar confortável. Mas isso não quer dizer que você não terá trabalho pela frente. Você pode até vir a precisar da orientação de um adestrador ou comportamentalista. Mas, na maioria das vezes, três a seis meses lá na frente, você não reconhecerá o cão com o qual você começou.

É claro, como todos sabemos, paciência e acreditar nem sempre bastam – em raras ocasiões você pode descobrir que escolheu o cão errado para você e para a sua família (ou que vocês são a família errada para o cachorro), e terá que fazer o melhor por todas as vidas pelas quais é responsável. Mas, repetindo, você precisará ser paciente e acreditar para agir da melhor forma possível e proporcionar uma vida boa a todos os que dependem de você, quer seja mantendo o animal ou encontrando outra solução que funcione bem para todos os envolvidos. Embora cada situação seja diferente, aqui vão alguns sábios conselhos de comportamentalistas e pessoas que vêm trabalhando em abrigos e ONG’s há anos e que poderão ajudar a facilitar a transição do “novo cachorro da casa” para – eu espero! – “o melhor-cachorro-que-já-tive”.

Dando as boas-vindas a um cão de abrigo: um novo começo.

Preparo

Idealmente, antes de você e seu novo melhor amigo entrarem com o carro na garagem de casa, você deverá ter dado uma investigada em toda a sua casa e decidido onde o cão não deverá ter acesso e onde ele dormirá, bem como ter identificado qualquer objeto que possa ser perigoso para o cão e removê-lo do alcance dele. Você deverá ter adquirido um crate (saiba mais sobre crates e crate training clicando aqui), alimentos de boa qualidade, comedouros e bebedouros, alguns petiscos atraentes e saudáveis para adestramento e brinquedos. (Mas calma, não se empolgue e torre muita verba no enxoval, até que você passe a conhecer melhor o seu cachorro).

Dirigindo para casa

É melhor levar um amigo ou parente junto para que um dirija e o outro fique de olho no cachorro. Se for possível, coloque o cão dentro de uma caixa de transporte, e se certifique de deixá-lo de coleira E guia para não correr o risco dele acabar fugindo quando você abrir a porta.

Você acabou de chegar em casa

Mantenha o cão na guia, mesmo que você tenha um quintal cercado, e passe um tempinho deixando-o cheirar tudo e fazer as necessidades, se ele estiver com vontade. Quando estão um pouco nervosos, os cães tendem a não fazer xixi em lugares desconhecidos, então seja paciente; se ele não quiser fazer pipi, leve-o para dentro mas fique de olho. Se você tem outros pets, evite apresentações-surpresa dentro de casa. Deixe os cães se cumprimentarem fora de casa, onde há espaço e libedade para se movimentarem, e então, convide o novo membro da família para entrar. Se tiver gatos, confine-os em um cômodo para evitar perseguições típicas de desenhos animados – nas quais o cão aprende que o gato é seu brinquedo favorito e o gato aprende que o cachorro é um monstro. Peça a todas as pessoas da casa para serem amistosas, mas sutis; evitem ficar em cima do cachorro e a sessão de beijos e abraços que nós humanos adoramos impôr aos caninos indefesos.

O basicão do treinamento de higiene

Pois é, mesmo que você tenha trazido para casa um cachorro de dez anos de idade que nunca fez xixi fora do lugar na vida, ainda assim é recomendável ensinar e reforçar as normas de higiene da sua casa por um tempo. Trate qualquer cão adulto como se ele fosse um filhotinho; leve-o para fazer xixi e cocô no lugar designado para isso frequentemente, premie com petiscos quando ele acertar e restrinja o ambiente dele à parte da casa onde você passa a maior parte do seu tempo. Quando precisar sair de casa, deixe-o em um crate ou em uma área pequena, onde ele não possa/queira fazer xixi e onde ele não possa fazer muito estrago na sua ausência. Esses avanços podem ser atingidos dentro de um ou dois dias, mas é melhor começar direito do que ter que ficar lidando com isso meses depois. Se seu novo peludo for como o meu Cool Hand Luke e tiver dificuldade de aprender as regras de higiene, o processo pode demorar um pouco mais, mas se você for atento e tiver bom senso,  quase sempre é possível lidar com o problema e cortoná-lo.

Mantenha-se alerta

Um dos problemas mais comumente relatados pelos protetores são cães que disparam porta afora ou através de cercas e que não voltam quando são chamados. Até você conhecer bem o seu novo cachorro, bole um plano para evitar excursões inesperadas do peludo pela vizinhança. Instale portõezinhos de cachorro nos caminhos que conduzem a portas frequentemente usadas e examine cuidadosamente o cercado de seu jardim ou quintal em busca do menorzinho dos espaços/buracos que permita fuga. (Você ficaria bobo de ver quão inadequada é a maioria das cercas – eu sei que eu fiquei quando comecei a atender consultas em domicílio e testemunhei um Chesapeake Bay Retriever se contorcendo por um buraco que eu julgava pequeno demais para um Poodle Toy passar!)

Seja respeitoso

Você pode ter passado um tempão decidindo estar apto a acolher um novo cachorro, mas o cachorro não estava necessariamente preparado para um novo relacionamento, então vá com calma. Seja amigável e carinhoso, mas não sufoque o peludo com visitas, afagos e atenção constante. É cansativo se adaptar a um novo ambiente, e para muitos cães isso é  uma tarefa ainda mais difícil, dependendo das mudanças e situações que eles atravessaram no passado. Imagine que você está saindo com uma pessoa de quem você gosta muito, muito mesmo. Sua mãe te dirá para não forçar a barra no começo, para não espantar a pessoa!  Aqui funciona da mesma forma. Pode demorar 24 horas para seu novo cachorro se apaixonar por você, mas pode levar algumas semanas (e em alguns casos, pode levar alguns meses…). Lembra que eu falei sobre ter paciência?

Adestramento é crucial

Seu cão está sempre aprendendo, então, de certa forma, você está sempre treinando ele. Não espere ter um cão campeão de obediência dentro de algumas semanas, mas decida logo de cara quais comportamentos são os mais importantes para você. Na sua lista pode constar: fazer as necessidades somente no quintal, atender pelo nome, caminhar tranquilamente na guia e não pular nas visitas. Comece desde já a educar o cão, mas certifique-se duplamente de empregar métodos de treinamento divertidos e recompensatórios. Se concentre naquilo que você deseja que seu cão domine, e trabalhe isso usando petiscos, carinho (se o cachorro adorar carinho) e brincadeiras apropriadas. Entretanto, espere um pouco para matricular seu cão em aulas coletivas até você conhecê-lo melhor; aulas em grupo podem ser assustadoras para os cães, principalmente se eles não tiverem sido bem socializados, então trabalhe primeiro com um adestrador particular se for o caso, antes de partir para as aulinhas grupais.

Levar ou não ao veterinário

Há cães que chegam ao novo lar precisando desesperadamente de cuidados veterinários, e, nesse caso, não há alternativa a não ser proporcionar o atendimento que ele requer. Mas se o cachorro não apresenta nenhum problema de saúde que exija atendimento veterinário imediato, agende uma consulta na clínica veterinária de sua escolha para uma visitinha casual, durante a qual a equipe do lugar – e o veterinário, se for possível – de maneira sutil fará amizade com o peludo usando de petiscos gostosos. A ideia é fazer o peludo sair da clínica desejando que ele pudesse ficar lá mais tempo, e se perguntando quando poderá ter a sorte de retornar a esse lugar tão gostoso. Lembre-se: a primeira impressão é a que fica…

Cadê o meu cachorro perfeito?

Muitos cães se mostram inibidos quando entram em um novo ambiente pela primeira vez, principalmente se eles tiveram uma vida relativamente reclusa. Então não se surpreenda se seu cachorro se portar de forma diferente no vigésimo primeiro dia em relação a como ele estava se comportando no dia em que chegou. Muitos cães precisam de pelo menos três semanas na casa nova até começarem a relaxar, sendo que os mais sensíveis e delicados podem requerer uns bons três meses. (Cachorros muito judiados ou traumatizados, como aqueles que passaram a vida toda em uma gaiola sem jamais poder sair, podem demorar até um ano para se sentir à vontade.)

Será que escolhi o cachorro errado?

Não é incomum o cachorro se comportar de uma forma diferente da informada pelo protetor ou cuidador prévio que convivia com ele. É provável que o doador tenha lhe dito que que esse cão só fazia as necessidades no lugar certo, mas agora você vê que ele está fazendo pipi no quarto de hóspedes. Ou talvez o protetor tenha informado que o peludo não demonstrava sinais de possessividade com comida, mas, do nada, lá está o peludo rosnando para os seus filhos enquanto se alimenta. O fato é que o comportamento é dependente de contexto. Isso quer dizer que todo animal com um flexível repertório poderá variar seu comportamento em ambientes diferentes. Nós sabemos disso, intuitivamente, em relação a nós mesmos: você, durante uma tensa reunião de negócios, é a mesma pessoa que aparenta ser numa manhã de domingo, em casa? Não seriam esses lugares e situações que despertam o que há de pior em você, e outros, que trazem à tona o melhor de você? Os cães variam seu comportamento principalmente se conviveram em um grupo (como um canil ou abrigo com um monte de cachorros) e passam a viver em um ambiente no qual são o único representante de sua espécie.

Isso não quer dizer que avaliações de comportamento e temperamento realizadas em outros contextos sejam inválidas. São válidas sim, e eu apóio avaliações comportamentais bem feitas e objetivas. Contudo, isso também quer dizer que o comportamento do cão em um determinado ambiente jamais será 100% preditivo de seu jeito de ser em outro lugar. Então, não adianta perder tempo se queixando que ele era diferente antes de você trazê-lo para casa; canalize esse tempo observando como ele se comporta agora, e como você pode incentivar os pontos fortes dele e modificar quaisquer problemas comportamentais em potencial.

Mantenha um diário

Um diário, mesmo um simples e casual, é uma ótima maneira de te ajudar a acompanhar o progresso do seu cão. Quando algo muda devagarzinho, pode ser difícil de notar e não há nada melhor do que manter um registro, seja por escrito ou por vídeo, para te lembrar o quanto você e seu peludo progrediram. Nem posso te dizer quão frequentemente clientes retornam para a consulta de acompanhamento e acabam se esquecendo do motivo original que os trouxe a mim. Se a consulta inicial tinha por objetivo ajudar o cão a se sentir à vontade quando deixado em casa sozinho, a próxima consulta pode ser sobre ensiná-lo a não latir nas janelas. “Mas como o Jake tem se comportado quando é deixado sozinho em casa?”, pergunto. “Ah (pausa)…está ótimo, mas essa latição para todo mundo que passa está nos deixando malucos.”  Registar o que está acontecendo também é uma ótima maneira de te ajudar a organizar os seus pensamentos e encarar os problemas objetivamente. Essa é uma dica dos experts: nós fazemos isso com os nossos cães o tempo todo, sabendo que isso nos auxilia com os desafios caninos que nós próprios enfrentamos em casa, assim como vejo que esse hábito ajuda os clientes a lidar com os contratempos dos peludos deles.

Em resumo, independentemente da origem do cachorro, oferecer um bom lar a um cão é sempre algo maravilhoso. Apenas mantenha em mente que trazer para casa um cão que não é mais um filhotinho implica em um conjunto diferente de desafios e oportunidades. Se você aprender a administrar as suas expectativas e repetir “paciência e acreditar, paciência e acreditar” de hora em hora, provavelmente dará tudo certo. Se você tiver sorte, acabará tendo seu próprio cão “um-em-um-milhão”, assim como aconteceu com o meu Cool Hand Luke.

Fonte: “Welcome – Helping a recently adopted adult dog adjust to new surroundings” – artigo escrito por Patricia McConnell e publicado na revista The Bark, 65a. edição, verão de 2010, págs 50, 52, 53 e 54.

Patricia B. McConnell, Ph.D, CAAB (Comportamentalista Animal Certificada), é uma comportamentalista e etologista animal e professora associada adjunta de Zoologia na Universidade de Wisconsin, Madison, bem como autora de inúmeros livros sobre comportamento e treinamento. Websites: www.patriciamcconnell.com e www.theotherendoftheleash.com

Bom apetite e uma lambida do Cachorro Verde!