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Recentemente, tivemos a II SEVAM – Semana de Extensão Veterinária da (Universidade) Anhembi Morumbi, faculdade onde curso o 8o. semestre de Med. Veterinária. Havia muitos cursos interessantes, mas sabendo que a correria não me permitiria prestigiar um módulo inteiro – cada módulo é composto por cerca de 9 palestras, dispostas no decorrer de 4 dias – paguei para assistir a três palestras avulsas com temas que me chamaram a atenção.

A última dessas palestras ocorreu ontem e foi surpreendentemente produtiva.  O tema da palestra, que originalmente se chamava “O mercado pet e a naturalidade”, me atraiu por motivos óbvios.  Se alguém está discutindo as tendências naturebas que estão ganhando o mercado pet e motivando a criação de produtos, quero participar!  Será que falariam de dietas naturais?

Cortando o barato de todos, logo de cara o palestrante solta, com a maior desenvoltura: “não vim falar sobre o mercado pet e as tendências de naturalidade.  Sim, a comissão organizadora me pediu para discutir esse assunto,  concordei em participar da semana acadêmica de vocês, mas não entendo nada de naturalidade.”

Silêncio entre o punhado de ouvintes. E eu, mentalmente a xingar o homem (“Como assim, não veio falar de naturalidade?! Peguei um baita trânsito do Campo Belo até o Brás para nada???). Sentindo o descontentamento geral, ele imediatamente complementou:

“Mas vou fazer o seguinte. Sou diretor da Merial, tenho mais de 20 anos de formado, já trabalhei com avicultura, clínica e cirurgia de pequenos animais e há muitos anos trabalho na indústria. Trouxe uma palestra que acredito que interessará a todos, sejam do segmento natural ou convencional. Que tal?”

Com tanta franqueza o Dr. Luis desarmou a pequena platéia. Ainda assim eu estava relutante. Não é incomum profissionais da indústria atacarem em palestras os defensores de tendências naturalistas. Mas dei uma chance e tive uma grata surpresa.

Acabei aprendendo horrores e rindo um bocado! O Dr. Luis está muito longe do estereótipo corporativo que eu temia. Aproveitou a intimidade da reunião, sentou-se numa cadeira e desenvolveu a palestra como um bate-papo. Sem fazer propaganda dos produtos Merial, compartilhou informações valiosas sobre o mercado pet e mostrou-se genuinamente interessado em ajudar o veterinário de pequenos animais –  profissional que hoje enfrenta dificuldades devido ao absurdo contingente de clínicas e pet shops.

Confira abaixo, alguns dos dados divulgados pelo Dr. Luis:

Mercado Pet brasileiro em números:

  • O mercado pet representa 10% do total do mercado veterinário brasileiro. Sim, ainda podemos crescer muito!
  • Uma pesquisa indica que, no ambiente doméstico, a mulher é quem cuida do cão ou gato em 66% dos casos, e que 59% dos proprietários de pets são mulheres. Isso quer dizer que as campanhas publicitárias e os prestadores de serviços devem estar atentos a essa maioria feminina.
  • Na classe A, que representa 5% da população brasileira, 52% tem pets. Na classe B, que corresponde a 25% da população, 47% tem pets. E na classe C, que responde por 43% da população, 36% tem pets.
  • O mercado pet se concentra fortemente na região sudeste do país.
  • Há uma carga tributária fortíssima sobre os produtos voltados para pets, da ordem de 50%.
  • O futuro é dos felinos. Na Europa e nos Estados Unidos, os gatos já superam os cães como os pets mais populares. No Brasil, o fenômeno promete se repetir: atualmente apenas 9% dos nossos cães têm até 1 ano de idade, contra 20% dos gatos. Isso se deve à verticalização das cidades e à praticidade do gato, um pet que não precisa passear, que exige pouca companhia humana e que instintivamente aprende a usar a caixa de areia.
  • O brasileiro é pouco afeito a prevenção. Prefere tratar. Apesar de a maioria dos proprietários de pets declararem que tem um veterinário de confiança, apenas 11% leva o animal de estimação a consultas de rotina. O restante  procura o veterinário somente quando o bicho manifesta algum sinal clínico. Ou pior: quando a coisa já está feia!
  • Apenas 30% de nossos cães são vacinados, o que explica porque a cinomose, doença praticamente erradicada nos Estados Unidos e na Europa, ainda é rotina nos nossos hospitais.
  • O mercado de rações há dois anos experimenta uma queda nas vendas. Não é por causa da Alimentação Natural, rs  “Isso provavelmente está acontecendo devido à queda no número de cães”, sugeriu o Dr. Luis.
  • O Brasil é o país com o maior número de faculdades de Medicina Veterinária, o maior número de profissionais, e o maior número de conjuntos de clínica-pet shop-banho e tosa. Uma curiosidade: na França, país da Merial, existem três faculdades de Medicina Veterinária, e é o conselho francês de Medicina Veterinária que determina o número de vagas disponíveis para matrícula nessas universidades, de acordo com a demanda do mercado.
  • Sem banho e tosa dificilmente uma clínica veterinária sobrevive. Os proprietários muitas vezes frequentam o pet shop e o banho e tosa duas vezes por semana, mas podem passar anos sem submeter o pet a uma consulta veterinária.
  • Mesmo entre pessoas da classe C é razoável a frequência de banhos em pet shops. Brasileiro, definitivamente, não curte cães cheirando a cachorro.
  • Esse asseio muitas vezes beira o excesso. Banhos semanais ou mesmo bi-semanais removem a camada lipídica que protege a pele do animal, predispondo-o a males dermatológicos. “Pode ser uma das causas dessa explosão de dermatopatias que observamos hoje. As vendas de xampus e medicamentos para tratamento dermatológico nunca estiveram tão em alta”, comentou o palestrante.
  • Uma pesquisa mostrou que o veterinário não é tão respeitado pelos clientes como julga ser: proprietários de cães e gatos admitem dar ouvidos a outras fontes de informação (revistas, Internet, amigos) e confessam já ter buscado outros  veterinários.
  • Enquanto o pet shop e o banho de tosa proporcionam situações que conferem prazer ao proprietário e estreitam os laços entre pets e donos, a consulta veterinária é tida muitas vezes como um momento tenso ou técnico demais – o que acaba por distanciar o clínico do cliente.
  • O salário médio de um médico-veterinário de cães e gatos recém-formado é de R$ 1.300,00.  Em contrapartida,  a avicultura (criação de frangos) é área que melhor remunera dentro da Veterinária.
  • Soluções apontadas para valorizar a atividade do clínico de pequenos animais: diversificar serviços, oferecer orientações personalizadas, correr atrás de atualizações periódicas e buscar nichos. Uma forte tendência que está vindo dos Estados Unidos é a “tribalização”. Ou seja, a existência de segmentos específicos de mercado que permitem aos diversos grupos de proprietários de pets buscar profissionais que compreendam e atendam às suas expectativas e afinidades.  Em outras palavras: a possibilidade de procurar a sua turma.

Oba! Me parece que o futuro reserva um solo fértil para prestadores de serviços veterinários holísticos e naturebas!